1993: Entrevista para a MTV (as perguntas estão ausentes do vídeo)
“Desde 1983 e do álbum Let’s Dance que não trabalhava com o Nile (Rodgers). E há uma diferença entre trabalhar com o Nile nessa altura e trabalhar com ele agora. No Let’s Dance eu deixei-lhe uma parte muito maior dos arranjos. E reencontrámo-nos para fazer este álbum (Black Tie White Noise) num clube, depois de um par de apresentações dos Tin Machine em Nova Iorque. Ele veio assistir aos espetáculos e, depois, começámos a conversar e discutimos aquilo de que gostávamos em termos musicais, assim como aquilo de que não gostávamos. E muitas das nossas ideias pareciam bastante semelhantes. Então, concordámos que se eu fizesse um novo álbum a solo trabalharia com ele. Porque tantas das nossas ideias musicais eram paralelas. E então, quando finalmente comecei a compor para o álbum, telefonei-lhe e perguntei-lhe se ainda queria trabalhar comigo. E ele disse que sim. E descobri, ao trabalhar com ele agora, que a principal mudança é o facto de que provavelmente estou a contribuir muito mais em termos do produto final. E ele já não usa tanto o telefone e esteve presente nas misturas! (risos)”.
“Penso que a seleção dos músicos foi instigada pelo Nile, que sugeriu algumas pessoas com quem trabalhara e de quem gostava muito. Uma dessas pessoas foi o Barry Campbell, no baixo. O Barry é um jovem de 22, 23 anos que só tem trabalhado em clubes, em Nova Iorque, nunca tinha trabalhado num estúdio. Então, acho que terá sido muito estimulante para ele ver-se envolvido numa série de sessões com música nova. O baterista era alguém que eu já conhecia há alguns anos, o Sterling Campbell, sem qualquer relação com o Barry. O Sterling tocou bateria com os Duran Duran durante algum tempo. E é o tipo de baterista nova-iorquino verdadeiramente sólido e confiável. Muito bom. Nos teclados, temos o Philippe Saisse, um Francês expatriado em Nova Iorque. E procuro arranjar um músico diferente para se ocupar dos solos, dependendo das canções. Excetuando um em particular, o Lester Bowie. Lester Bowie… Conheci o Joe Bowie, o irmão dele, já há uns anos em Londres, e foi ele quem me disse para ouvir o trabalho do Lester, que ele considerava fantástico. E assim fiz. E, efetivamente, acho que o Lester é um dos melhores trompetistas da atualidade. Penso que ocupa bastante o espaço que pertencia ao Miles Davis até à sua morte. E era suposto o Lester tocar trompete num dos temas. Ele estava a trabalhar nisso e foi tão bom que o deixámos encarregar-se de cinco ou seis partes do trompete. Assim, tornou-se o som alternativo ao saxofone que eu mesmo toco no álbum. Os outros músicos são o Mike Garson, dos últimos tempos dos Spiders, há anos que não estava com o Mike Garson e, sem mais nem para quê, telefonou-me. Pertinentemente, mesmo na altura para participar no álbum. Perguntei-lhe se viria a Nova Iorque e se queria tocar. E, assim, ficou com a parte do piano num dos instrumentais. E o Mick Ronson, claro. O Mick Ronson, trouxe-o para o concerto dos Queen, no ano passado, com o Ian Hunter, dos Mott The Hoople, tocámos uma versão de All The Young Dudes. E então, em determinado momento, disse-lhe que iria adorar que estivesse de novo no estúdio comigo. Trabalhei com ele de forma intermitente, ao longo dos anos porque, sempre que andámos em tournée, desde 1974, ele apareceu algumas vezes, normalmente no palco. Mas não fizemos nenhum trabalho de estúdio. E decidimos tocar o I Feel Free porque esse tema dos Cream era um dos nossos encores nos primeiros tempos dos Spiders. E foi agradável completar o círculo e criar uma versão atualizada do tema. Há também o Reeves Gabrel, que aparece na faixa You’ve Been Around. Esse tema foi originalmente escrito para os Tin Machine, só que não o quiseram tocar, disseram que não gostavam. Assim, guardámo-lo e usei-o neste álbum, sendo que reescrevi a letra de forma a adaptá-lo melhor ao disco. E consegui que o Reeves tocasse nele. Usei diferentes solos de guitarra e, no fim, entrecortei-os, o que resultou numa espécie de som fragmentado e irregular. E coloquei a guitarra no fundo. E ele ainda não ouviu o tema final e já sei que se vai queixar por a guitarra não estar suficientemente alta. De qualquer forma, vou mandar-lhe uma cópia. E, além disso, não há nada… há o Wild T. (Wild T. Springer). Curiosamente, o Wild T. é um guitarrista da Trindade. Toca muito no estilo do (Jimi) Hendrix, mas vive no Canadá. É um dos principais guitarristas de blues do Canadá. Tem uma abordagem cadenciada ao Hendrix, uma espécie de tendência muito melódica de sabor caribenho. E o Wild T., uma vez mais, ouvi a música dele enquanto andava em tour com os Tin Machine. E ele foi a um espetáculo e eu disse-lhe: “Gostaria muito que alguma vez viesses a trabalhar comigo”. Não creio que ele estivesse à espera de um telefonema. Telefonei-lhe uns dias antes das sessões e ele apanhou um avião e veio trabalhar na faixa. Acho que é tudo…”
“Nota-se bem que há uma espécie de tonalidade hip-hop/house em muitas das faixas, se bem que não seja uma coisa chapada, nada de forçado. Uma vez mais, queria trabalhar esse tipo de gosto aqui e é uma coisa que entusiasma particularmente o Nile porque o Nile costuma frequentar clubes, viver a noite. Eu não. Normalmente, deixo o estúdio por volta das sete, que é a hora a que o Nile chega. Mas, depois do trabalho no estúdio, ele costuma desaparecer até de madrugada, andar por Nova Iorque, saltar de clube em clube. E, de qualquer modo, acho a música de dança fascinante, sempre achei. E o Nile trouxe esse gosto específico às faixas. Não é realmente uma versão forçosa da música de dança, é quase como que um alívio nos bastidores, como ouvir os sons da cidade à distância de alguns quilómetros. Mas vê-se tudo através de uma espécie de neblina”.
“Acho que a dance music, e particularmente o rap, parece refletir muitos dos níveis de caos que perpassam atualmente a nossa sociedade. Talvez por isso tenha deixado uma marca tão pertinente em tanta gente. Porque reconhecem a fragmentação. E porque existe na sua vida de todos os dias. Muitas vezes, a sensação de desesperança face ao facto de a situação atual ser de caos e de uma contenda infindável, e acho que isso se reflete muito bem nesse tipo de música em particular. Num tom talvez mais positivo, acho que se tornará num novo tipo de música e penso que será cada vez mais articulada com a passagem dos anos. O que procuramos fazer com a nossa variação é dotá-la de um sentido melódico europeu. O que fizemos tem um tom europeu muito forte, mesmo se os alicerces são fundamentalmente Americanos”.
“Não foi a primeira vez que trabalhei assim. Provavelmente, muita da música pela qual sou mais conhecido refletiu essa forma de trabalhar. Peguei em alicerces fundamentalmente Americanos e sobrepus-lhes uma textura diferente, normalmente bastante europeia. Penso que tudo terá começado com uma faixa chamada 1984, do álbum Diamond Dogs, que era como que brincar na praia do Shaft (tema de 1971, mais precisamente Theme from Shaft, criado por Isaac Hayes para o filme Shaft, num estilo soul e funk) . Mas continha uma linha melódica que podia facilmente ter sido retirada de um musical inglês”.
“Quando a Iman e eu regressámos de Itália, depois das nossas férias, e chegámos a Los Angeles, acho que era quase inevitável que, tendo regressado no dia em que os motins começaram e tendo lá estado durante todo o tempo e durante o caos que se seguiu, e era quase uma situação do tipo Beirute com colunas de fumo preto por todo o lado e quase uma sensação de desamparo, tudo tivesse sido simultaneamente entorpecedor e emocionante e que me tivesse marcado profundamente… Era uma situação que queria abordar e algo que queria comentar e colocar na escrita. Depois de ter terminado de escrever a letra, não sabia bem o que fazer, porque o queria fazer com alguém, tinha sido escrita para duas vozes, e um amigo meu era igualmente amigo do Al B. Sure! e sugeriu que poderia entrar em contacto com o Al B. O Al B. veio ao estúdio, esteve connosco durante uns quatro ou cinco dias, eu dei-lhe uma cópia da letra, levou-a consigo e, mais tarde, telefonou-me e disse que gostaria muito de gravar a canção comigo. Então… Senti-me muito lisonjeado porque ele é um cantor muito bom. Havia uma pequena barreira por causa da diferença nas nossas vozes. Mas acho que há uma verdadeira ligação entre nós, pelo menos é uma das minhas canções preferidas do álbum”.
“Parece haver algum tipo de nostalgia dos anos setenta neste momento, especialmente em Inglaterra. Não sei bem de onde vem. Quero dizer, espero que não seja por causa das roupas ridículas que usávamos. E, se tiver que aderir a isso, recuso-me a usar botas de plataforma. Ou a depilar as sobrancelhas. Ou a pintar o cabelo de vermelho. (risos) Não sei de onde isso vem, podemos sentir que talvez seja por causa de… eram tempos extraordinariamente experimentais, toda a gente tinha espírito de aventura e as pessoas agarravam-se a qualquer tipo de liberdade que pudessem. Quero dizer, era o crepúsculo dos anos sessenta, ainda havia aquele espírito de “pode experimentar-se tudo e isso é uma forma de tornar a vida estimulante”. E acho que muitas dessas oportunidades não existem para os jovens de hoje. Parece-me que se sentem quase enjaulados num tipo de tecido social quase que realmente repressivo e agourento. E acho que refletem esse tipo de nostalgia pelo que lhes parece que os anos setenta foram. Há um espírito de liberdade e aventura. Isso dá origem a alguma música bastante interessante. Uma das mais importantes bandas na Grã-Bretanha, acho, atualmente, potencialmente uma das bandas maiores, chama-se Suede. Gosto tanto deles, gosto mesmo, gosto do guitarrista, chama-se Bernard. Acho que se chama assim… E suponho que quando se libertarem dessa coisa dos anos setenta e lhes for permitido serem uma banda, não uma banda revivalista dos anos setenta, ou uma banda influenciada pelos anos setenta, poderão permanecer em cena durante muito tempo porque escrevem temas excelentes”.
“Acho que é a única banda atual em que apostaria. Muitos dos fãs do grunge, na minha opinião, têm uma abordagem de recém-chegados ao que acontecia durante os anos oitenta, especialmente em meados dos anos oitenta, com bandas como os Pixies e os Sonic Youth. E já passaram sete ou oito anos e estas bandas caem dos armários aos trambolhões. Nirvana… E os seus companheiros de armas. Não sou grande fã dessas bandas porque sinto que se trata de versões quase confortáveis e seguras do que bandas como os Sonic Youth faziam a meio dos anos oitenta. Também fiquei muito desapontado com o fim dos Pixies porque eram uma das minhas bandas preferidas no final dos anos oitenta”.
“Posso dizer seguramente que todas as faixas neste álbum são… Fico contente por as ter transposto para CD, gosto muito de todas. Mas, de entre as minhas preferidas, destaco You’ve Been Around, Black Tie White Noise e, sem dúvida, o primeiro single do álbum, Jump They Say”.
“Fizemos um vídeo para o single. Eu estava com problemas em conseguir visualizar o que fazer com ele. Então, entreguei-o, literalmente por inteiro, a um jovem realizador norte-americano chamado Mark Romanek. Ele é da escola do Stanley Kubrick, pelo que tem um fantástico olhar gráfico claro e do tipo letterbox (técnica cinematográfica que consiste em transferir um filme em tela panorâmica para um formato de vídeo padrão, preservando a proporção de tela original com barras negras nas partes superior e inferior das imagens). E o realismo no vídeo é quase ultrarrealista devido à iluminação e à clareza no detalhe. É um trabalho extraordinário com uma espécie de aspeto europeu de vidro e aço de meados dos anos sessenta. E penso que o que ele pretende mostrar é como, quando se vê confrontado com o anonimato desse tipo de atmosfera de alta tecnologia, o homem se descobre confuso e extremamente deprimido”.
“Ainda que eu gostasse mesmo de apresentar estas canções ao vivo e a solo, não tenho nenhuma tournée planeada para este ano. Talvez venha a fazer uma tour a solo em finais do ano que vem. O motivo principal é que acabei de me casar. E não quero desaparecer em tournée durante o resto do ano”.
“Relativamente à minha forma de escrever ter ou não sofrido alterações ao longo dos anos, um destes dias aconteceu uma coisa interessante. Li um artigo num dos jornais de música ingleses, talvez o NME, e eles republicaram uma entrevista minha de 1973, uma entrevista em três páginas, exatamente como no original. E parece-me que nela descrevo o meu processo de escrita em termos exatamente iguais aos atuais. Na entrevista, descrevia como selecionava diferentes pontos de vista e opiniões diferentes e os colocava face a face. Na verdade, aquilo de que falava é a mesma justaposição que sempre tenho usado na escrita. Basicamente, acho que a minha escrita não mudou. Posso ter-lhe acrescentado coisas e incluído novos processos e diferentes formas de trabalho. Mas, fundamentalmente, continua a ser o mesmo de sempre (“same as it ever was” dito numa entoação do tipo David Byrne em Once in a Lifetime)”.
“Penso que a seleção dos músicos foi instigada pelo Nile, que sugeriu algumas pessoas com quem trabalhara e de quem gostava muito. Uma dessas pessoas foi o Barry Campbell, no baixo. O Barry é um jovem de 22, 23 anos que só tem trabalhado em clubes, em Nova Iorque, nunca tinha trabalhado num estúdio. Então, acho que terá sido muito estimulante para ele ver-se envolvido numa série de sessões com música nova. O baterista era alguém que eu já conhecia há alguns anos, o Sterling Campbell, sem qualquer relação com o Barry. O Sterling tocou bateria com os Duran Duran durante algum tempo. E é o tipo de baterista nova-iorquino verdadeiramente sólido e confiável. Muito bom. Nos teclados, temos o Philippe Saisse, um Francês expatriado em Nova Iorque. E procuro arranjar um músico diferente para se ocupar dos solos, dependendo das canções. Excetuando um em particular, o Lester Bowie. Lester Bowie… Conheci o Joe Bowie, o irmão dele, já há uns anos em Londres, e foi ele quem me disse para ouvir o trabalho do Lester, que ele considerava fantástico. E assim fiz. E, efetivamente, acho que o Lester é um dos melhores trompetistas da atualidade. Penso que ocupa bastante o espaço que pertencia ao Miles Davis até à sua morte. E era suposto o Lester tocar trompete num dos temas. Ele estava a trabalhar nisso e foi tão bom que o deixámos encarregar-se de cinco ou seis partes do trompete. Assim, tornou-se o som alternativo ao saxofone que eu mesmo toco no álbum. Os outros músicos são o Mike Garson, dos últimos tempos dos Spiders, há anos que não estava com o Mike Garson e, sem mais nem para quê, telefonou-me. Pertinentemente, mesmo na altura para participar no álbum. Perguntei-lhe se viria a Nova Iorque e se queria tocar. E, assim, ficou com a parte do piano num dos instrumentais. E o Mick Ronson, claro. O Mick Ronson, trouxe-o para o concerto dos Queen, no ano passado, com o Ian Hunter, dos Mott The Hoople, tocámos uma versão de All The Young Dudes. E então, em determinado momento, disse-lhe que iria adorar que estivesse de novo no estúdio comigo. Trabalhei com ele de forma intermitente, ao longo dos anos porque, sempre que andámos em tournée, desde 1974, ele apareceu algumas vezes, normalmente no palco. Mas não fizemos nenhum trabalho de estúdio. E decidimos tocar o I Feel Free porque esse tema dos Cream era um dos nossos encores nos primeiros tempos dos Spiders. E foi agradável completar o círculo e criar uma versão atualizada do tema. Há também o Reeves Gabrel, que aparece na faixa You’ve Been Around. Esse tema foi originalmente escrito para os Tin Machine, só que não o quiseram tocar, disseram que não gostavam. Assim, guardámo-lo e usei-o neste álbum, sendo que reescrevi a letra de forma a adaptá-lo melhor ao disco. E consegui que o Reeves tocasse nele. Usei diferentes solos de guitarra e, no fim, entrecortei-os, o que resultou numa espécie de som fragmentado e irregular. E coloquei a guitarra no fundo. E ele ainda não ouviu o tema final e já sei que se vai queixar por a guitarra não estar suficientemente alta. De qualquer forma, vou mandar-lhe uma cópia. E, além disso, não há nada… há o Wild T. (Wild T. Springer). Curiosamente, o Wild T. é um guitarrista da Trindade. Toca muito no estilo do (Jimi) Hendrix, mas vive no Canadá. É um dos principais guitarristas de blues do Canadá. Tem uma abordagem cadenciada ao Hendrix, uma espécie de tendência muito melódica de sabor caribenho. E o Wild T., uma vez mais, ouvi a música dele enquanto andava em tour com os Tin Machine. E ele foi a um espetáculo e eu disse-lhe: “Gostaria muito que alguma vez viesses a trabalhar comigo”. Não creio que ele estivesse à espera de um telefonema. Telefonei-lhe uns dias antes das sessões e ele apanhou um avião e veio trabalhar na faixa. Acho que é tudo…”
“Nota-se bem que há uma espécie de tonalidade hip-hop/house em muitas das faixas, se bem que não seja uma coisa chapada, nada de forçado. Uma vez mais, queria trabalhar esse tipo de gosto aqui e é uma coisa que entusiasma particularmente o Nile porque o Nile costuma frequentar clubes, viver a noite. Eu não. Normalmente, deixo o estúdio por volta das sete, que é a hora a que o Nile chega. Mas, depois do trabalho no estúdio, ele costuma desaparecer até de madrugada, andar por Nova Iorque, saltar de clube em clube. E, de qualquer modo, acho a música de dança fascinante, sempre achei. E o Nile trouxe esse gosto específico às faixas. Não é realmente uma versão forçosa da música de dança, é quase como que um alívio nos bastidores, como ouvir os sons da cidade à distância de alguns quilómetros. Mas vê-se tudo através de uma espécie de neblina”.
“Acho que a dance music, e particularmente o rap, parece refletir muitos dos níveis de caos que perpassam atualmente a nossa sociedade. Talvez por isso tenha deixado uma marca tão pertinente em tanta gente. Porque reconhecem a fragmentação. E porque existe na sua vida de todos os dias. Muitas vezes, a sensação de desesperança face ao facto de a situação atual ser de caos e de uma contenda infindável, e acho que isso se reflete muito bem nesse tipo de música em particular. Num tom talvez mais positivo, acho que se tornará num novo tipo de música e penso que será cada vez mais articulada com a passagem dos anos. O que procuramos fazer com a nossa variação é dotá-la de um sentido melódico europeu. O que fizemos tem um tom europeu muito forte, mesmo se os alicerces são fundamentalmente Americanos”.
“Não foi a primeira vez que trabalhei assim. Provavelmente, muita da música pela qual sou mais conhecido refletiu essa forma de trabalhar. Peguei em alicerces fundamentalmente Americanos e sobrepus-lhes uma textura diferente, normalmente bastante europeia. Penso que tudo terá começado com uma faixa chamada 1984, do álbum Diamond Dogs, que era como que brincar na praia do Shaft (tema de 1971, mais precisamente Theme from Shaft, criado por Isaac Hayes para o filme Shaft, num estilo soul e funk) . Mas continha uma linha melódica que podia facilmente ter sido retirada de um musical inglês”.
“Quando a Iman e eu regressámos de Itália, depois das nossas férias, e chegámos a Los Angeles, acho que era quase inevitável que, tendo regressado no dia em que os motins começaram e tendo lá estado durante todo o tempo e durante o caos que se seguiu, e era quase uma situação do tipo Beirute com colunas de fumo preto por todo o lado e quase uma sensação de desamparo, tudo tivesse sido simultaneamente entorpecedor e emocionante e que me tivesse marcado profundamente… Era uma situação que queria abordar e algo que queria comentar e colocar na escrita. Depois de ter terminado de escrever a letra, não sabia bem o que fazer, porque o queria fazer com alguém, tinha sido escrita para duas vozes, e um amigo meu era igualmente amigo do Al B. Sure! e sugeriu que poderia entrar em contacto com o Al B. O Al B. veio ao estúdio, esteve connosco durante uns quatro ou cinco dias, eu dei-lhe uma cópia da letra, levou-a consigo e, mais tarde, telefonou-me e disse que gostaria muito de gravar a canção comigo. Então… Senti-me muito lisonjeado porque ele é um cantor muito bom. Havia uma pequena barreira por causa da diferença nas nossas vozes. Mas acho que há uma verdadeira ligação entre nós, pelo menos é uma das minhas canções preferidas do álbum”.
“Parece haver algum tipo de nostalgia dos anos setenta neste momento, especialmente em Inglaterra. Não sei bem de onde vem. Quero dizer, espero que não seja por causa das roupas ridículas que usávamos. E, se tiver que aderir a isso, recuso-me a usar botas de plataforma. Ou a depilar as sobrancelhas. Ou a pintar o cabelo de vermelho. (risos) Não sei de onde isso vem, podemos sentir que talvez seja por causa de… eram tempos extraordinariamente experimentais, toda a gente tinha espírito de aventura e as pessoas agarravam-se a qualquer tipo de liberdade que pudessem. Quero dizer, era o crepúsculo dos anos sessenta, ainda havia aquele espírito de “pode experimentar-se tudo e isso é uma forma de tornar a vida estimulante”. E acho que muitas dessas oportunidades não existem para os jovens de hoje. Parece-me que se sentem quase enjaulados num tipo de tecido social quase que realmente repressivo e agourento. E acho que refletem esse tipo de nostalgia pelo que lhes parece que os anos setenta foram. Há um espírito de liberdade e aventura. Isso dá origem a alguma música bastante interessante. Uma das mais importantes bandas na Grã-Bretanha, acho, atualmente, potencialmente uma das bandas maiores, chama-se Suede. Gosto tanto deles, gosto mesmo, gosto do guitarrista, chama-se Bernard. Acho que se chama assim… E suponho que quando se libertarem dessa coisa dos anos setenta e lhes for permitido serem uma banda, não uma banda revivalista dos anos setenta, ou uma banda influenciada pelos anos setenta, poderão permanecer em cena durante muito tempo porque escrevem temas excelentes”.
“Acho que é a única banda atual em que apostaria. Muitos dos fãs do grunge, na minha opinião, têm uma abordagem de recém-chegados ao que acontecia durante os anos oitenta, especialmente em meados dos anos oitenta, com bandas como os Pixies e os Sonic Youth. E já passaram sete ou oito anos e estas bandas caem dos armários aos trambolhões. Nirvana… E os seus companheiros de armas. Não sou grande fã dessas bandas porque sinto que se trata de versões quase confortáveis e seguras do que bandas como os Sonic Youth faziam a meio dos anos oitenta. Também fiquei muito desapontado com o fim dos Pixies porque eram uma das minhas bandas preferidas no final dos anos oitenta”.
“Posso dizer seguramente que todas as faixas neste álbum são… Fico contente por as ter transposto para CD, gosto muito de todas. Mas, de entre as minhas preferidas, destaco You’ve Been Around, Black Tie White Noise e, sem dúvida, o primeiro single do álbum, Jump They Say”.
“Fizemos um vídeo para o single. Eu estava com problemas em conseguir visualizar o que fazer com ele. Então, entreguei-o, literalmente por inteiro, a um jovem realizador norte-americano chamado Mark Romanek. Ele é da escola do Stanley Kubrick, pelo que tem um fantástico olhar gráfico claro e do tipo letterbox (técnica cinematográfica que consiste em transferir um filme em tela panorâmica para um formato de vídeo padrão, preservando a proporção de tela original com barras negras nas partes superior e inferior das imagens). E o realismo no vídeo é quase ultrarrealista devido à iluminação e à clareza no detalhe. É um trabalho extraordinário com uma espécie de aspeto europeu de vidro e aço de meados dos anos sessenta. E penso que o que ele pretende mostrar é como, quando se vê confrontado com o anonimato desse tipo de atmosfera de alta tecnologia, o homem se descobre confuso e extremamente deprimido”.
“Ainda que eu gostasse mesmo de apresentar estas canções ao vivo e a solo, não tenho nenhuma tournée planeada para este ano. Talvez venha a fazer uma tour a solo em finais do ano que vem. O motivo principal é que acabei de me casar. E não quero desaparecer em tournée durante o resto do ano”.
“Relativamente à minha forma de escrever ter ou não sofrido alterações ao longo dos anos, um destes dias aconteceu uma coisa interessante. Li um artigo num dos jornais de música ingleses, talvez o NME, e eles republicaram uma entrevista minha de 1973, uma entrevista em três páginas, exatamente como no original. E parece-me que nela descrevo o meu processo de escrita em termos exatamente iguais aos atuais. Na entrevista, descrevia como selecionava diferentes pontos de vista e opiniões diferentes e os colocava face a face. Na verdade, aquilo de que falava é a mesma justaposição que sempre tenho usado na escrita. Basicamente, acho que a minha escrita não mudou. Posso ter-lhe acrescentado coisas e incluído novos processos e diferentes formas de trabalho. Mas, fundamentalmente, continua a ser o mesmo de sempre (“same as it ever was” dito numa entoação do tipo David Byrne em Once in a Lifetime)”.