1996: Entrevista com Karel De Graaf para o Karel Show, do canal holandês AVRO, a 29 de janeiro.
Karel De Graaf: David, bem-vindo ao programa. É bom ter-te connosco. Para começar, gostaria que assistisses a umas filmagens que fizemos ontem à noite, quando o teu público se dirigia para o concerto no Oranjehal, em Utrecht…
Uma rapariga: Olá, David. Desde os dez anos que gosto de ti. Adeus!
Outra rapariga: A minha mãe está doente e não pôde vir ao concerto, mas manda-te um olá. Adeus!
Um rapaz: Sou teu fã desde 1974. Vi-te na televisão.
Outro rapaz: Olá. Gostava de te oferecer este CD da minha banda. Somos dois rapazes. Uma banda com dois elementos e gostava de te oferecer o CD.
Uma mulher americana: (falando e usando simultaneamente língua gestual) Achas que os teus concertos futuros na América e também na Europa poderão ser interpretados? Adoraríamos fazê-lo. Aqui está o nosso cartão, vou-to dar, com os nossos nomes nele. Há 28 milhões de pessoas com problemas auditivos nos Estados Unidos e ainda mais em todo o mundo que precisam de conhecer a tua música, a música não lhes deveria ser negada por causa de… (dirige-se a um rapaz com deficiência auditiva): Gostas da música dele? (O rapaz responde em língua gestual, interpretado por um parceiro da mulher): Adoro música! Tive acesso à música desde (faz um sinal) Através de sinais, se precisar de compreender a forma e o conteúdo da música. (fala o parceiro) : E é ótimo visualmente, podes crer! (novamente a mulher): E queremos agradecer-te. Adoramos-te! (os três fazem um sinal que reflete esse sentimento)
David Bowie: Acho que vi a rapariga ontem à noite, penso que estava à minha esquerda no palco, sim, acho que se estava a divertir muito.
Karel De Graaf: Consegues acreditar, pessoas surdas a comprarem os teus CDs?
David Bowie: É extraordinário. Tenho um amigo com deficiência auditiva e o que ele faz é sentir as vibrações da música. E tornou-se muito sofisticado porque consegue reconhecer os instrumentos através dos diferentes graus de ressonância, sabes…
Karel De Graaf: Eles querem mesmo interpretar os teus concertos nos Estados Unidos, se lá fores.
David Bowie: É incrível.
Karel De Graaf: Alguma vez compreendeste todas essas raparigas aos gritos que nos disseram que o faziam porque “ele é tão giro”?
David Bowie: Nunca tentei.
Karel De Graaf: Então, nunca conseguiste?
David Bowie: Nunca tentei compreender isso. Não, está para lá do meu entendimento. Não sou… Quando era miúdo, era um fã bastante obsessivo. Quero dizer, gostava do músico norte-americano Little Richard e, enquanto colecionador, colecionava todos os seus discos e procurava saber tudo o que pudesse acerca dele. Lembro-me, da primeira vez em que foi à Grã-Bretanha, de ter ficado à espera, do lado de fora da porta do palco, para ver se conseguia um autógrafo. Mas acho que nunca fui além do estádio do autógrafo.
Karel De Graaf: Gostava de te perguntar uma coisa sobre…
David Bowie: Importas-te que fume?
Karel De Graaf: Não, não, não me importo, por favor… (risos do público) Não te vou dizer para não fumares…
David Bowie: Não, eu sei.
Karel De Graaf: Não precisas que te diga para não fumares.
David Bowie: Tu fumas?
Karel De Graaf: Já fumei… O suficiente para o resto da vida. (Bowie acende um cigarro) Está à vontade… Hmm… Gostaria de falar sobre o medo. É verdade que, durante muito tempo, o medo de perderes a tua saúde mental, a tua sanidade, foi uma coisa com grande impacto na tua vida?
David Bowie: Se olhar para quando ainda era novo, por volta dos vinte anos, um dos med… características do indivíduo jovem, há duas: uma, que a sua vida vai ser esmagada o mais rapidamente possível ou que vai viver para sempre e vacila entre esses dois pontos. E acho que há, também, uma espécie de romantismo ligado aos tolos ou aos dementes ou aos mentalmente instáveis por causa da diferença que supostamente representam. Acho que a ideia de se observar e se ser capaz de participar numa realidade alternativa é emocionante para algumas pessoas. E acho que, quando se é artista, isso quase que surge de forma natural. Penso que se parte do princípio de que é necessário ser um pouco louco para se ser artista. Eu tive uma certa noção de alguma instabilidade mental tradicional na minha família (muito provavelmente, uma referência ao seu meio-irmão Terry, declarado esquizofrénico), de tal forma que me preocupava bastante que isso me pudesse acontecer também a mim. E então, ter-me envolvido com drogas nos anos setenta quase que tornou isso algo de normal. Mas, não se trata de uma coisa com que eu quisesse lidar atualmente. Sinto-me bastante estável. (sorri e o público ri)
Karel De Graaf: Parece que estão a dizer: “agora, devias felicitá-lo!” (risos) Mas continuo a não entender… Se te preocupava muito o facto de haver problemas mentais na tua família, há uma coisa que não percebo: se te preocupa tanto, porque diabo vais para o palco e inventas inúmeras personagens que representas durante meses a fio no palco e, grande parte do tempo, fora dele? Não estavas a tentar os deuses?
David Bowie: Oh, acho que isso foi mera timidez. (sorri)
Karel De Graaf: Numa entrevista bastante séria disseste: “Se preencho as personagens com a minha vida ou a minha vida com as personagens não é inteiramente claro”.
David Bowie: Sim.
Karel De Graaf: Para mim, isso mostra que te perdeste um pouco. Ou seja, se tens medo de enlouquecer, isso é tentar os deuses…
David Bowie: Quando temos essa idade não estamos equipados para saber se estamos a tentar os deuses ou não. Acho que simplesmente fluímos com aquilo que sentimos ser um rio de energia e estímulo. E eu colocava-me em situações das quais não conhecia exatamente os limites, a linha ténue que dividia as minhas personagens no palco de mim mesmo. E isso foi algo que, na verdade… Nunca me libertei disso até ao final dos anos setenta. Nessa altura, comecei a redefinir exatamente quem era ao reajustar a minha vida e ao afastar-me do que era, hmm, uma espécie de existência a alta velocidade.
Karel De Graaf: Será que, de certa forma, como Lou Reed escreveu, “cresceste em público com as calças para baixo” (referência a Growing Up in Public, “growing up in public with your pants down”, de 1980)?
David Bowie: Hmm… raramente com as calças para baixo. (o público ri) E não tenho tanta certeza quanto a crescer… Espero nunca crescer inteiramente. Não, não acho… (risos) Oh, não cresci, acredita! (o público ri)
Karel De Graaf: Pareces-te com o teu pai?
David Bowie: Fisicamente? Bom, sim… Sou bastante, acho, uma amálgama entre a minha mãe e o meu pai e… como ambos, suponho. Acho… Não sei. Não sei. (sorriso) na verdade, nunca pensei nisso.
Karel De Graaf: Que tipo de homem era? O típico gentleman inglês educado?
David Bowie: Sim, acho que provavelmente era. Era um homem muito decente. Não me deixou nada como herança. Talvez um monte de livros. E isso foi algo que acho que fez mais por mim do que o que quer que seja a que alguma vez me tenha dedicado. Quero dizer, continuo a ser um devorador de livros. Os livros continuam a transmitir-me um prazer absolutamente extraordinário. Nem te consigo explicar até que ponto é fantástico… simplesmente deixar-me envolver pelos pensamentos, as ideias e os locais da mente de outro. Acho que é por isso que quero escrever. (sorri)
Karel De Graaf: Alguma vez o teu pai te disse, quando te dedicaste à música, “estás a fazer o que deves, acredito nisso”?
David Bowie: Sim, quero dizer, espero ter passado isso ao meu filho. Ele tornou muito claro que as escolhas que fizesse eram as minhas escolhas. A partir de uma certa idade. E que o que quer que me proporcionasse… Ele nunca me pressionou no sentido de pensar na estabilidade financeira como algo de particularmente importante por que lutar. Era mais uma questão de “o que é que sentes que fará com que chegues ao fim de cada dia e digas: foi mesmo bom!”?
Karel De Graaf: Também era assim consigo mesmo?
David Bowie: Sim, era. Sim.
Karel De Graaf: Era um homem de sucesso?
David Bowie: Hmm… Sim, era um homem de sucesso. Hmm… Não financeiramente. De todo. Mas, enquanto pessoa, sim. Ele trabalhava para uma instituição de caridade para crianças, a Doctor Barnardo’s Homes. E isso proporcionava-lhe uma enorme satisfação. (sorriso)
Karel De Graaf: Dirias que, no seu tempo, era uma pessoa à margem?
David Bowie: Não.
Karel De Graaf: Não?
David Bowie: Não.
Karel De Graaf: Pertencia a um grupo…
David Bowie: Hmm… Pertencia a um grupo… Não. Não acho que ninguém na minha família alguma vez tenha pertencido a grupos. Não são gente de grupos. Somos muito autossuficientes, deem-nos um livro e um pincel e não precisamos de mais nada. (risos)
Karel De Graaf: E a tua própria paternidade, se não te importas que pergunte? Como é que fizeste? Foste um pai solteiro durante, não sei, quantos anos? Como é que se pode ser um pai solteiro e tocar, representar e…?
David Bowie: Não faço a mínima ideia, terias que perguntar ao meu filho. Acho que sempre tivemos uma relação muito forte. Hmm… Não sei, não há nenhum manual para isso, quero dizer, ele tornou-se um jovem encantador e inteligente. É um bom miúdo. (sorri) Já não é um miúdo, tem 24 anos. Ainda a estudar…
Karel De Graaf: Ainda estuda? Onde é que estuda?
David Bowie: Neste momento está a tirar o doutoramento em Filosofia.
Rapariga do público: Sim!
Karel De Graaf: Sim? (volta-se de súbito para o público e todos riem)
David Bowie: É isso que queres fazer? É isso? Sim?
Rapariga do público: Sim.
David Bowie: Porque é que quiseste estudar Filosofia? Perguntei o mesmo ao meu filho, perguntei mesmo.
Rapariga do público: Porque nos dá a possibilidade de olhar para as coisas sob perspetivas diferentes.
David Bowie: Sim, compreendo, concordo contigo.
Rapariga do público: Mas agora tens que continuar a conversa… (todos riem)
David Bowie: Mas, não, ela tem muita razão. Acho que é por isso que somos levados a compreender de que forma os outros pensam e de onde vêm, para onde vão e onde estiveram durante as suas vidas. Quando, em criança, nos vemos paralisados por um conjunto de absolutos, acho, vais a este tipo de igreja, fazes aquele tipo de coisa e pensas desta forma, creio que se tivermos alguma imaginação nos zangamos rapidamente com os absolutos e queremos um território mais vasto, o máximo possível de caminhos na vida. E acho que, no meu caso, cheguei a um ponto em que percebi que podia escolher pedacinhos de cada um desses caminhos. Não é essencial ter um caminho como se fosse a Bíblia, não há nenhum homem que esteja certo em tudo. Ou mesmo um grupo de pessoas que estejam certas em tudo. E eu selecionava bocadinhos de tudo, talvez um bocadinho de Budismo, um bocadinho disto, um bocadinho daquilo, que me dessem algum tipo de base, de plataforma explanatória para a minha vida, sabes, e, só por si, isso é um prazer.
Karel De Graaf: Então, deves sentir-te incrivelmente satisfeito e orgulhoso por o teu filho ter escolhido estudar Filosofia…
David Bowie: Sim, sinto-me muito contente por estar a fazer uma coisa que lhe interessa… Quero dizer, sentir-me-ia triste se se dedicasse a algo por imaginar que parecia uma boa carreira, sabes, em termos do que se pode obter e fazer ao chegar ao topo e…
Karel De Graaf: Diz-se que os filhos idolatram o pai aos sete anos de idade mas…
David Bowie: Sim…
Karel De Graaf: … quando têm o dobro dessa idade sentem-se profundamente envergonhados de tudo o que o pai é e do que representa…
David Bowie: Isso acontece por volta dos 17… (sorri)
Karel De Graaf: 17? Quero dizer, tu eras a maior extravagância à superfície do planeta!
David Bowie: Sim… Talvez ele tenha tido alguns problemas com isso…
Karel De Graaf: Ele nunca te disse: “David, por favor, cala-te por um ou ano ou dois…”?
David Bowie: (risos) Digo-te uma coisa, se o fez foi muito engraçado. Foi há um bom número de anos, ele gostava muito de uma banda, acho que tinha 11 anos, talvez 12, uma banda de que gostava, os PIL, a banda do Johnny Rotten (na verdade, Johnny Lydon depois da separação dos Sex Pistols), Public Image Limited, ia tocar perto de casa e ele perguntou: “Podemos ir vê-los?”. E eu respondi: “Claro”. “Vou preparar-me!”, disse ele. Então, foi ao andar de cima e voltou e tinha posto tinta vermelha lavável no cabelo. E eu fiquei a olhar para ele e disse: “Se pensas que vou sair cont…” (todos riem)
Karel De Graaf: E o que aconteceu? Foste, não foste?
David Bowie: Claro que sim…
Karel De Graaf: Pergunto-me o que…
David Bowie: Portanto, há situações bastante engraçadas… Mas o que eu quero dizer é que… a altura em que nos sentimos embaraçados pela nossa família… Quero dizer, sem dúvida eu passei por isso. Acho que toda a gente aos 16, 17 anos, finge não ter família e que apareceu no planeta por magia ou então… “Na verdade, eu era Americano”. Sabes, ficcionam algum tipo de antecedentes pessoais, mas acho que quando isso é ultrapassado, penso que terias voltado a gostar de mim aos 19 anos… (risos)
Karel De Graaf: É verdade que planeias voltar a constituir família e viver em Londres?
David Bowie: Bom, se essa for a vontade de Deus, sim. Quero dizer, seria fantástico. Acho que ambos gostaríamos muito disso.
Karel De Graaf: E voltarias a viver em Londres?
David Bowie: Hmm… Possivelmente. Quero dizer, de momento estamos a estudar as opções. Os últimos anos foram, e provavelmente continuarão a ser, roteiros de viagem para ambos e especialmente para mim, porque tenciono trabalhar muito ao vivo. Gosto… Estou a voltar a gostar de atuar. Mais do que gostei durante muitos anos e gostaria de aproveitar enquanto posso. (risos) Antes de ter que aparecer com um andarilho. (o público ri) Mas acho que, mesmo então, seria difícil parar-me.
Karel De Graaf: É…
David Bowie: Seria o chato mais incorrigível. Quero dizer, ainda vou fazer canções sobre o espaço quando tiver 90 anos.
Karel De Graaf: Eu dou-te uma ajuda.
David Bowie: Tenho a certeza que sim!
Karel De Graaf: Ouve, é verdade que fizeste uma tour Arturiana (viagem pelos locais lendários do Rei Artur, como Stonehenge, Avebury e Glastonbury) com a tua mulher?
David Bowie: Sem dúvida, nós… (risos) Onde é que vais desencantar isto tudo? (todos riem) Bom, sim, as coisas de que falaste até agora são bastante na mouche. Hmm… Quando a conheci, ela não… Só tinha estado em Londres. Nessa altura, quando a conheci, ela já tinha deixado de trabalhar como modelo, o que aconteceu em 1989. Mas as únicas alturas em que tinha podido ver alguma coisa de Inglaterra tinham sido nas suas idas a Londres em trabalhos como modelo, talvez durante 48 ou 72 horas, pelo que não tinha noção do que Londres ou Inglaterra eram. Eu escolhi, que ponderado fui!, as últimas duas semanas de maio e o tempo estava extraordinário, em Inglaterra nunca está assim. Estava mesmo bonito. E fomos ao sudoeste de Inglaterra, à Cornualha e ao Devon. E a Glastonbury e todos os locais apócrifos onde Artur viveu a sua vida e ela estava absolutamente extasiada e disse: “Este tempo, é lindo. É sempre assim?” E eu respondi: “Sim!” (todos riem) “Não fazes ideia de como a Inglaterra é bonita, esta é a Inglaterra de que ninguém fala!” (todos riem) E foi fantástico. Portanto, ela tem uma noção completamente errada do que é viver em Inglaterra.
Karel De Graaf: E fazes tudo para que assim continue?
David Bowie: Sim! (risos)
Karel De Graaf: Mas ouve, “isto é quase como velejar pelo Avon acima”…
David Bowie: Sim, sim. Sou um romântico.
Karel De Graaf: Até a levaste a fazer design de wallpaper para a coleção da Laura Ashley. Que é que se pode seguir?
David Bowie: Não, não, não, não é bem assim. Os nomes estão corretos. Wallpaper está correto e Laura Ashley também. (dirige-se a um homem no público) Podias trazer isso aqui um bocadinho? (para Karel De Graaf) Não acredito! Este tipo tem um pedaço do meu wallpaper… (o público ri) Ele é… Planeaste isto? (para o homem que desceu e lhe entrega uma folha impressa) Emprestas-me isto só por um segundo? (para Karel) Esta é mesmo uma parte do wallpaper que eu…
Karel De Graaf: Eu não sabia! Quem é o tipo? (todos riem)
David Bowie: O que realmente aconteceu…
Karel De Graaf: O que é? Posso ver?
David Bowie: Deixa-me explicar. O que se passa é que eu quis fazer uma instalação para uma mostra que tinha em Londres. E a instalação envolvia a criação de pilastras, que são uma espécie de meias colunas que se encostam às paredes. E queria que fossem muito Românicas no estilo, mas cobertas por um wallpaper incrivelmente incongruente. E podíamos pegar nas pilastras e mudá-las de lugar, colocá-las em qualquer parte da parede que quiséssemos. E o design que criei (mostra a folha impressa), não consegui encontrar ninguém que o imprimisse, é muito difícil imprimir wallpaper. E a Laura Ashley ofereceu-se para mo imprimir, para a minha instalação. Então, não é exatamente design de wallpaper da Laura Ashley… (o público ri) E o que temos no wallpaper, neste especificamente, é o pintor inglês Lucien Freud (nascido na Alemanha, conhecido principalmente pelos seus retratos empastados, falecido em 2011) dentro de uma caixa do Damien Hirst (artista e colecionador de arte inglês). E o Damien Hirst, como poderás ou não saber, é um artista, atualmente a viver em Inglaterra, que cria formas dentro de caixas. Portanto, foi mais ou menos como colocar a arte tradicional nas mãos da arte moderna. Esse foi um. O outro wallpaper foi um minotauro com uma ereção. (o público ri) Que, estou certo, a Laura Ashley não iria comercializar. (o público ri)
Karel de Graaf: A Grã-Bretanha está a mudar, David, a Grã-Bretanha está a mudar!
David Bowie: Bastante adequado para o quarto de banho, acho.
Karel De Graaf: Deixa-me perguntar-te mais uma coisa…
David Bowie: Se formos minotauros…
Karel De Graaf: Posso fazer mais uma pergunta?
David Bowie: Claro.
Karel De Graaf: Há algumas pessoas que me estão a fazer sinais…
David Bowie: Tenho escolha?
Karel De Graaf: Não. Hmm… Não, não tens. (risos) Uma última pergunta…
David Bowie: Sim.
Karel De Graf: Porque é que queres voltar a viver em Inglaterra?
David Bowie: Hmm… Bom, em algum momento da vida gostaria de regressar. Acho… Sinto falta dos mexericos. (o público ri) Não fui eu quem inventou essa fala, quem dera… Havia uma peça, escrita por Alan Bennett (dramaturgo, roteirista, ator e autor britânico), chamada An Englishman Abroad. Que lidava ostensivamente com a história do espião Kim Philby (elemento importante dos serviços secretos britânicos que trabalhou como agente duplo antes de desertar para a União Soviética, em 1963. Falecido em 1988, em Moscovo). Coral Browne (atriz americana, nascida na Austrália, falecida em 1991) visitou-o em Moscovo…
Karel De Graaf: Sinto falta dos mexericos.
David Bowie: E ela… Sim, perguntou-lhe: “Kim, qual é a coisa de que mais sentes falta?” E ele respondeu: “Oh, dos mexericos!” Sinto-me bastante assim. O que quero dizer com isso é que sinto a falta de uma certa forma de olhar o mundo que muitos dos meus amigos… Mantive-me em contacto e a verdade é que o meu círculo de amigos em Inglaterra cresceu bastante nos últimos anos. E sinto um pouco a falta dessa companhia…
Karel De Graaf: Será que já não és o completo ser à margem que já foste e que queres ter uma sensação de pertença?
David Bowie: Oh, acho que deixei de o ser há já bastante tempo. O que se passou foi que toda a gente me convenceu de que eu tinha deixado de ser o ser à margem que pensava que era. (risos)
Karel De Graaf: Tiveste uma prestação excelente nesta mesa. Muito obrigado por teres vindo até ao nosso pequeno estúdio.
David Bowie: O prazer foi meu. (sorriso)
Karel De Graaf: Agora, vamos retirar a mesa e arranjar espaço para a tua banda e para ti… Dames en heren: David Bowie! (o público aplaude)
Abrem espaço e David Bowie e a banda interpretam Under Pressure.
Uma rapariga: Olá, David. Desde os dez anos que gosto de ti. Adeus!
Outra rapariga: A minha mãe está doente e não pôde vir ao concerto, mas manda-te um olá. Adeus!
Um rapaz: Sou teu fã desde 1974. Vi-te na televisão.
Outro rapaz: Olá. Gostava de te oferecer este CD da minha banda. Somos dois rapazes. Uma banda com dois elementos e gostava de te oferecer o CD.
Uma mulher americana: (falando e usando simultaneamente língua gestual) Achas que os teus concertos futuros na América e também na Europa poderão ser interpretados? Adoraríamos fazê-lo. Aqui está o nosso cartão, vou-to dar, com os nossos nomes nele. Há 28 milhões de pessoas com problemas auditivos nos Estados Unidos e ainda mais em todo o mundo que precisam de conhecer a tua música, a música não lhes deveria ser negada por causa de… (dirige-se a um rapaz com deficiência auditiva): Gostas da música dele? (O rapaz responde em língua gestual, interpretado por um parceiro da mulher): Adoro música! Tive acesso à música desde (faz um sinal) Através de sinais, se precisar de compreender a forma e o conteúdo da música. (fala o parceiro) : E é ótimo visualmente, podes crer! (novamente a mulher): E queremos agradecer-te. Adoramos-te! (os três fazem um sinal que reflete esse sentimento)
David Bowie: Acho que vi a rapariga ontem à noite, penso que estava à minha esquerda no palco, sim, acho que se estava a divertir muito.
Karel De Graaf: Consegues acreditar, pessoas surdas a comprarem os teus CDs?
David Bowie: É extraordinário. Tenho um amigo com deficiência auditiva e o que ele faz é sentir as vibrações da música. E tornou-se muito sofisticado porque consegue reconhecer os instrumentos através dos diferentes graus de ressonância, sabes…
Karel De Graaf: Eles querem mesmo interpretar os teus concertos nos Estados Unidos, se lá fores.
David Bowie: É incrível.
Karel De Graaf: Alguma vez compreendeste todas essas raparigas aos gritos que nos disseram que o faziam porque “ele é tão giro”?
David Bowie: Nunca tentei.
Karel De Graaf: Então, nunca conseguiste?
David Bowie: Nunca tentei compreender isso. Não, está para lá do meu entendimento. Não sou… Quando era miúdo, era um fã bastante obsessivo. Quero dizer, gostava do músico norte-americano Little Richard e, enquanto colecionador, colecionava todos os seus discos e procurava saber tudo o que pudesse acerca dele. Lembro-me, da primeira vez em que foi à Grã-Bretanha, de ter ficado à espera, do lado de fora da porta do palco, para ver se conseguia um autógrafo. Mas acho que nunca fui além do estádio do autógrafo.
Karel De Graaf: Gostava de te perguntar uma coisa sobre…
David Bowie: Importas-te que fume?
Karel De Graaf: Não, não, não me importo, por favor… (risos do público) Não te vou dizer para não fumares…
David Bowie: Não, eu sei.
Karel De Graaf: Não precisas que te diga para não fumares.
David Bowie: Tu fumas?
Karel De Graaf: Já fumei… O suficiente para o resto da vida. (Bowie acende um cigarro) Está à vontade… Hmm… Gostaria de falar sobre o medo. É verdade que, durante muito tempo, o medo de perderes a tua saúde mental, a tua sanidade, foi uma coisa com grande impacto na tua vida?
David Bowie: Se olhar para quando ainda era novo, por volta dos vinte anos, um dos med… características do indivíduo jovem, há duas: uma, que a sua vida vai ser esmagada o mais rapidamente possível ou que vai viver para sempre e vacila entre esses dois pontos. E acho que há, também, uma espécie de romantismo ligado aos tolos ou aos dementes ou aos mentalmente instáveis por causa da diferença que supostamente representam. Acho que a ideia de se observar e se ser capaz de participar numa realidade alternativa é emocionante para algumas pessoas. E acho que, quando se é artista, isso quase que surge de forma natural. Penso que se parte do princípio de que é necessário ser um pouco louco para se ser artista. Eu tive uma certa noção de alguma instabilidade mental tradicional na minha família (muito provavelmente, uma referência ao seu meio-irmão Terry, declarado esquizofrénico), de tal forma que me preocupava bastante que isso me pudesse acontecer também a mim. E então, ter-me envolvido com drogas nos anos setenta quase que tornou isso algo de normal. Mas, não se trata de uma coisa com que eu quisesse lidar atualmente. Sinto-me bastante estável. (sorri e o público ri)
Karel De Graaf: Parece que estão a dizer: “agora, devias felicitá-lo!” (risos) Mas continuo a não entender… Se te preocupava muito o facto de haver problemas mentais na tua família, há uma coisa que não percebo: se te preocupa tanto, porque diabo vais para o palco e inventas inúmeras personagens que representas durante meses a fio no palco e, grande parte do tempo, fora dele? Não estavas a tentar os deuses?
David Bowie: Oh, acho que isso foi mera timidez. (sorri)
Karel De Graaf: Numa entrevista bastante séria disseste: “Se preencho as personagens com a minha vida ou a minha vida com as personagens não é inteiramente claro”.
David Bowie: Sim.
Karel De Graaf: Para mim, isso mostra que te perdeste um pouco. Ou seja, se tens medo de enlouquecer, isso é tentar os deuses…
David Bowie: Quando temos essa idade não estamos equipados para saber se estamos a tentar os deuses ou não. Acho que simplesmente fluímos com aquilo que sentimos ser um rio de energia e estímulo. E eu colocava-me em situações das quais não conhecia exatamente os limites, a linha ténue que dividia as minhas personagens no palco de mim mesmo. E isso foi algo que, na verdade… Nunca me libertei disso até ao final dos anos setenta. Nessa altura, comecei a redefinir exatamente quem era ao reajustar a minha vida e ao afastar-me do que era, hmm, uma espécie de existência a alta velocidade.
Karel De Graaf: Será que, de certa forma, como Lou Reed escreveu, “cresceste em público com as calças para baixo” (referência a Growing Up in Public, “growing up in public with your pants down”, de 1980)?
David Bowie: Hmm… raramente com as calças para baixo. (o público ri) E não tenho tanta certeza quanto a crescer… Espero nunca crescer inteiramente. Não, não acho… (risos) Oh, não cresci, acredita! (o público ri)
Karel De Graaf: Pareces-te com o teu pai?
David Bowie: Fisicamente? Bom, sim… Sou bastante, acho, uma amálgama entre a minha mãe e o meu pai e… como ambos, suponho. Acho… Não sei. Não sei. (sorriso) na verdade, nunca pensei nisso.
Karel De Graaf: Que tipo de homem era? O típico gentleman inglês educado?
David Bowie: Sim, acho que provavelmente era. Era um homem muito decente. Não me deixou nada como herança. Talvez um monte de livros. E isso foi algo que acho que fez mais por mim do que o que quer que seja a que alguma vez me tenha dedicado. Quero dizer, continuo a ser um devorador de livros. Os livros continuam a transmitir-me um prazer absolutamente extraordinário. Nem te consigo explicar até que ponto é fantástico… simplesmente deixar-me envolver pelos pensamentos, as ideias e os locais da mente de outro. Acho que é por isso que quero escrever. (sorri)
Karel De Graaf: Alguma vez o teu pai te disse, quando te dedicaste à música, “estás a fazer o que deves, acredito nisso”?
David Bowie: Sim, quero dizer, espero ter passado isso ao meu filho. Ele tornou muito claro que as escolhas que fizesse eram as minhas escolhas. A partir de uma certa idade. E que o que quer que me proporcionasse… Ele nunca me pressionou no sentido de pensar na estabilidade financeira como algo de particularmente importante por que lutar. Era mais uma questão de “o que é que sentes que fará com que chegues ao fim de cada dia e digas: foi mesmo bom!”?
Karel De Graaf: Também era assim consigo mesmo?
David Bowie: Sim, era. Sim.
Karel De Graaf: Era um homem de sucesso?
David Bowie: Hmm… Sim, era um homem de sucesso. Hmm… Não financeiramente. De todo. Mas, enquanto pessoa, sim. Ele trabalhava para uma instituição de caridade para crianças, a Doctor Barnardo’s Homes. E isso proporcionava-lhe uma enorme satisfação. (sorriso)
Karel De Graaf: Dirias que, no seu tempo, era uma pessoa à margem?
David Bowie: Não.
Karel De Graaf: Não?
David Bowie: Não.
Karel De Graaf: Pertencia a um grupo…
David Bowie: Hmm… Pertencia a um grupo… Não. Não acho que ninguém na minha família alguma vez tenha pertencido a grupos. Não são gente de grupos. Somos muito autossuficientes, deem-nos um livro e um pincel e não precisamos de mais nada. (risos)
Karel De Graaf: E a tua própria paternidade, se não te importas que pergunte? Como é que fizeste? Foste um pai solteiro durante, não sei, quantos anos? Como é que se pode ser um pai solteiro e tocar, representar e…?
David Bowie: Não faço a mínima ideia, terias que perguntar ao meu filho. Acho que sempre tivemos uma relação muito forte. Hmm… Não sei, não há nenhum manual para isso, quero dizer, ele tornou-se um jovem encantador e inteligente. É um bom miúdo. (sorri) Já não é um miúdo, tem 24 anos. Ainda a estudar…
Karel De Graaf: Ainda estuda? Onde é que estuda?
David Bowie: Neste momento está a tirar o doutoramento em Filosofia.
Rapariga do público: Sim!
Karel De Graaf: Sim? (volta-se de súbito para o público e todos riem)
David Bowie: É isso que queres fazer? É isso? Sim?
Rapariga do público: Sim.
David Bowie: Porque é que quiseste estudar Filosofia? Perguntei o mesmo ao meu filho, perguntei mesmo.
Rapariga do público: Porque nos dá a possibilidade de olhar para as coisas sob perspetivas diferentes.
David Bowie: Sim, compreendo, concordo contigo.
Rapariga do público: Mas agora tens que continuar a conversa… (todos riem)
David Bowie: Mas, não, ela tem muita razão. Acho que é por isso que somos levados a compreender de que forma os outros pensam e de onde vêm, para onde vão e onde estiveram durante as suas vidas. Quando, em criança, nos vemos paralisados por um conjunto de absolutos, acho, vais a este tipo de igreja, fazes aquele tipo de coisa e pensas desta forma, creio que se tivermos alguma imaginação nos zangamos rapidamente com os absolutos e queremos um território mais vasto, o máximo possível de caminhos na vida. E acho que, no meu caso, cheguei a um ponto em que percebi que podia escolher pedacinhos de cada um desses caminhos. Não é essencial ter um caminho como se fosse a Bíblia, não há nenhum homem que esteja certo em tudo. Ou mesmo um grupo de pessoas que estejam certas em tudo. E eu selecionava bocadinhos de tudo, talvez um bocadinho de Budismo, um bocadinho disto, um bocadinho daquilo, que me dessem algum tipo de base, de plataforma explanatória para a minha vida, sabes, e, só por si, isso é um prazer.
Karel De Graaf: Então, deves sentir-te incrivelmente satisfeito e orgulhoso por o teu filho ter escolhido estudar Filosofia…
David Bowie: Sim, sinto-me muito contente por estar a fazer uma coisa que lhe interessa… Quero dizer, sentir-me-ia triste se se dedicasse a algo por imaginar que parecia uma boa carreira, sabes, em termos do que se pode obter e fazer ao chegar ao topo e…
Karel De Graaf: Diz-se que os filhos idolatram o pai aos sete anos de idade mas…
David Bowie: Sim…
Karel De Graaf: … quando têm o dobro dessa idade sentem-se profundamente envergonhados de tudo o que o pai é e do que representa…
David Bowie: Isso acontece por volta dos 17… (sorri)
Karel De Graaf: 17? Quero dizer, tu eras a maior extravagância à superfície do planeta!
David Bowie: Sim… Talvez ele tenha tido alguns problemas com isso…
Karel De Graaf: Ele nunca te disse: “David, por favor, cala-te por um ou ano ou dois…”?
David Bowie: (risos) Digo-te uma coisa, se o fez foi muito engraçado. Foi há um bom número de anos, ele gostava muito de uma banda, acho que tinha 11 anos, talvez 12, uma banda de que gostava, os PIL, a banda do Johnny Rotten (na verdade, Johnny Lydon depois da separação dos Sex Pistols), Public Image Limited, ia tocar perto de casa e ele perguntou: “Podemos ir vê-los?”. E eu respondi: “Claro”. “Vou preparar-me!”, disse ele. Então, foi ao andar de cima e voltou e tinha posto tinta vermelha lavável no cabelo. E eu fiquei a olhar para ele e disse: “Se pensas que vou sair cont…” (todos riem)
Karel De Graaf: E o que aconteceu? Foste, não foste?
David Bowie: Claro que sim…
Karel De Graaf: Pergunto-me o que…
David Bowie: Portanto, há situações bastante engraçadas… Mas o que eu quero dizer é que… a altura em que nos sentimos embaraçados pela nossa família… Quero dizer, sem dúvida eu passei por isso. Acho que toda a gente aos 16, 17 anos, finge não ter família e que apareceu no planeta por magia ou então… “Na verdade, eu era Americano”. Sabes, ficcionam algum tipo de antecedentes pessoais, mas acho que quando isso é ultrapassado, penso que terias voltado a gostar de mim aos 19 anos… (risos)
Karel De Graaf: É verdade que planeias voltar a constituir família e viver em Londres?
David Bowie: Bom, se essa for a vontade de Deus, sim. Quero dizer, seria fantástico. Acho que ambos gostaríamos muito disso.
Karel De Graaf: E voltarias a viver em Londres?
David Bowie: Hmm… Possivelmente. Quero dizer, de momento estamos a estudar as opções. Os últimos anos foram, e provavelmente continuarão a ser, roteiros de viagem para ambos e especialmente para mim, porque tenciono trabalhar muito ao vivo. Gosto… Estou a voltar a gostar de atuar. Mais do que gostei durante muitos anos e gostaria de aproveitar enquanto posso. (risos) Antes de ter que aparecer com um andarilho. (o público ri) Mas acho que, mesmo então, seria difícil parar-me.
Karel De Graaf: É…
David Bowie: Seria o chato mais incorrigível. Quero dizer, ainda vou fazer canções sobre o espaço quando tiver 90 anos.
Karel De Graaf: Eu dou-te uma ajuda.
David Bowie: Tenho a certeza que sim!
Karel De Graaf: Ouve, é verdade que fizeste uma tour Arturiana (viagem pelos locais lendários do Rei Artur, como Stonehenge, Avebury e Glastonbury) com a tua mulher?
David Bowie: Sem dúvida, nós… (risos) Onde é que vais desencantar isto tudo? (todos riem) Bom, sim, as coisas de que falaste até agora são bastante na mouche. Hmm… Quando a conheci, ela não… Só tinha estado em Londres. Nessa altura, quando a conheci, ela já tinha deixado de trabalhar como modelo, o que aconteceu em 1989. Mas as únicas alturas em que tinha podido ver alguma coisa de Inglaterra tinham sido nas suas idas a Londres em trabalhos como modelo, talvez durante 48 ou 72 horas, pelo que não tinha noção do que Londres ou Inglaterra eram. Eu escolhi, que ponderado fui!, as últimas duas semanas de maio e o tempo estava extraordinário, em Inglaterra nunca está assim. Estava mesmo bonito. E fomos ao sudoeste de Inglaterra, à Cornualha e ao Devon. E a Glastonbury e todos os locais apócrifos onde Artur viveu a sua vida e ela estava absolutamente extasiada e disse: “Este tempo, é lindo. É sempre assim?” E eu respondi: “Sim!” (todos riem) “Não fazes ideia de como a Inglaterra é bonita, esta é a Inglaterra de que ninguém fala!” (todos riem) E foi fantástico. Portanto, ela tem uma noção completamente errada do que é viver em Inglaterra.
Karel De Graaf: E fazes tudo para que assim continue?
David Bowie: Sim! (risos)
Karel De Graaf: Mas ouve, “isto é quase como velejar pelo Avon acima”…
David Bowie: Sim, sim. Sou um romântico.
Karel De Graaf: Até a levaste a fazer design de wallpaper para a coleção da Laura Ashley. Que é que se pode seguir?
David Bowie: Não, não, não, não é bem assim. Os nomes estão corretos. Wallpaper está correto e Laura Ashley também. (dirige-se a um homem no público) Podias trazer isso aqui um bocadinho? (para Karel De Graaf) Não acredito! Este tipo tem um pedaço do meu wallpaper… (o público ri) Ele é… Planeaste isto? (para o homem que desceu e lhe entrega uma folha impressa) Emprestas-me isto só por um segundo? (para Karel) Esta é mesmo uma parte do wallpaper que eu…
Karel De Graaf: Eu não sabia! Quem é o tipo? (todos riem)
David Bowie: O que realmente aconteceu…
Karel De Graaf: O que é? Posso ver?
David Bowie: Deixa-me explicar. O que se passa é que eu quis fazer uma instalação para uma mostra que tinha em Londres. E a instalação envolvia a criação de pilastras, que são uma espécie de meias colunas que se encostam às paredes. E queria que fossem muito Românicas no estilo, mas cobertas por um wallpaper incrivelmente incongruente. E podíamos pegar nas pilastras e mudá-las de lugar, colocá-las em qualquer parte da parede que quiséssemos. E o design que criei (mostra a folha impressa), não consegui encontrar ninguém que o imprimisse, é muito difícil imprimir wallpaper. E a Laura Ashley ofereceu-se para mo imprimir, para a minha instalação. Então, não é exatamente design de wallpaper da Laura Ashley… (o público ri) E o que temos no wallpaper, neste especificamente, é o pintor inglês Lucien Freud (nascido na Alemanha, conhecido principalmente pelos seus retratos empastados, falecido em 2011) dentro de uma caixa do Damien Hirst (artista e colecionador de arte inglês). E o Damien Hirst, como poderás ou não saber, é um artista, atualmente a viver em Inglaterra, que cria formas dentro de caixas. Portanto, foi mais ou menos como colocar a arte tradicional nas mãos da arte moderna. Esse foi um. O outro wallpaper foi um minotauro com uma ereção. (o público ri) Que, estou certo, a Laura Ashley não iria comercializar. (o público ri)
Karel de Graaf: A Grã-Bretanha está a mudar, David, a Grã-Bretanha está a mudar!
David Bowie: Bastante adequado para o quarto de banho, acho.
Karel De Graaf: Deixa-me perguntar-te mais uma coisa…
David Bowie: Se formos minotauros…
Karel De Graaf: Posso fazer mais uma pergunta?
David Bowie: Claro.
Karel De Graaf: Há algumas pessoas que me estão a fazer sinais…
David Bowie: Tenho escolha?
Karel De Graaf: Não. Hmm… Não, não tens. (risos) Uma última pergunta…
David Bowie: Sim.
Karel De Graf: Porque é que queres voltar a viver em Inglaterra?
David Bowie: Hmm… Bom, em algum momento da vida gostaria de regressar. Acho… Sinto falta dos mexericos. (o público ri) Não fui eu quem inventou essa fala, quem dera… Havia uma peça, escrita por Alan Bennett (dramaturgo, roteirista, ator e autor britânico), chamada An Englishman Abroad. Que lidava ostensivamente com a história do espião Kim Philby (elemento importante dos serviços secretos britânicos que trabalhou como agente duplo antes de desertar para a União Soviética, em 1963. Falecido em 1988, em Moscovo). Coral Browne (atriz americana, nascida na Austrália, falecida em 1991) visitou-o em Moscovo…
Karel De Graaf: Sinto falta dos mexericos.
David Bowie: E ela… Sim, perguntou-lhe: “Kim, qual é a coisa de que mais sentes falta?” E ele respondeu: “Oh, dos mexericos!” Sinto-me bastante assim. O que quero dizer com isso é que sinto a falta de uma certa forma de olhar o mundo que muitos dos meus amigos… Mantive-me em contacto e a verdade é que o meu círculo de amigos em Inglaterra cresceu bastante nos últimos anos. E sinto um pouco a falta dessa companhia…
Karel De Graaf: Será que já não és o completo ser à margem que já foste e que queres ter uma sensação de pertença?
David Bowie: Oh, acho que deixei de o ser há já bastante tempo. O que se passou foi que toda a gente me convenceu de que eu tinha deixado de ser o ser à margem que pensava que era. (risos)
Karel De Graaf: Tiveste uma prestação excelente nesta mesa. Muito obrigado por teres vindo até ao nosso pequeno estúdio.
David Bowie: O prazer foi meu. (sorriso)
Karel De Graaf: Agora, vamos retirar a mesa e arranjar espaço para a tua banda e para ti… Dames en heren: David Bowie! (o público aplaude)
Abrem espaço e David Bowie e a banda interpretam Under Pressure.