1997: Entrevista com Michel Denisot, em Nova Iorque, para o Canal + . As perguntas são formuladas em Francês e Bowie responde em Inglês.
Michel Denisot: David Bowie, olá e obrigado por estar connosco. Completou 50 anos no último dia 8 de janeiro, há muitas estrelas do rock que passam nas juke box e editam compilações e obtêm um grande sucesso desse modo. Consigo não se passa nada disso, uma vez que está a lançar um novo álbum que é muito diferente, muito enérgico. Porque é que segue essa via, tão diferente das outras?
David Bowie: Talvez porque se trate de uma coleção dos estilos de todos. Não tenho a certeza de ter um estilo em particular. Acho que não tenho nenhuma lealdade a um dado estilo. O que faço é mais uma síntese dos meus entusiasmos, daquilo de que gosto, quer se trate das artes visuais ou da música ou do teatro ou de filmes. Os aspetos que tornam a sociedade interessante, a forma como exprimimos a nossa sociedade. Acho todas essas expressões estimulantes e todas elas são canalizadas para o meu trabalho. E acho que, para mim, a ideia de estilo é algo que considero adaptável e, normalmente, escolho um estilo que se adapte ao material com o qual estou a trabalhar. Talvez seja por isso que soa diferente. É diferente e é igual.
Michel Denisot: Afirmou que nunca haverá um David Bowie definitivo e dá-nos a prova disso a cada instante, todos os dias, a cada minuto que passa. Neste caso, trata-se de um estilo musical muito diferente com música jungle, com um trabalho que também desenvolveu na Internet, havia uma canção como Telling Lies que apresentou na Internet e a versão definitiva foi um pouco escolhida pelos internautas. Isto é correto?
David Bowie: Acabo de pensar na parte inicial da sua afirmação. Acho que a mudança é apenas de estilo. Penso que há uma continuidade muito forte na parte temática do meu trabalho. Grande parte dele sempre lidou, e continua a lidar, até um certo ponto, com os sentimentos de distância da sociedade e, talvez também, com a reavaliação da nossa vida espiritual. Acho que uma preocupação dos finais do século XX reside em saber como podemos arranjar um lugar para o nosso novo Deus. Acho que estamos a chegar a uma era do caos e que o caos tem um significado nas nossas vidas e penso que temos que readaptar a nossa interpretação da religião e da espiritualidade de forma a que possa adaptar-se ao novo milénio que aí vem. Retomando a sua outra pergunta, acho que a Internet é fixe! (risos) Acho que é… Para alguém como eu, que escreve demasiado, tenho demasiado material, grande parte dele não está acessível, acho que se trata de uma excelente forma de o tornar acessível a um público que poderia não conseguir conhecê-lo através dos discos. Porque o único problema de trabalhar com uma empresa como uma companhia discográfica…
Michel Denisot: É o fim dos discos…
David Bowie: Enquanto forma, enquanto veículo do som, talvez seja, sim. Acho que a Internet é o futuro do nosso prazer auditivo de uma forma ou de outra. Teremos que fazer o download de algo e, para já, acho que o próximo passo serão os CDs graváveis. Penso que iremos passar coisas do computador para um formato CD. Vamos ser os nossos próprios fabricantes, acho.
Michel Denisot: Que contacto mantém com os seus fãs na Internet? É verdade que lhes responde?
David Bowie: Só anonimamente! (risos) Mas respondo. Lanço-lhes desafios com boatos e histórias apócrifas e sugestões de passados potenciais e vejo como lidam com isso.
Michel Denisot: Vimos muita gente no filme, nesta entrevista, a recontar a sua carreira. Quem são, hoje em dia, os homens e mulheres que contaram na sua vida?
David Bowie: Tenho relações muito próximas com os meus amigos. A maioria deles é bastante anónima para o público, o público não os conheceria nem reconheceria. Portanto, é óbvio que lhes vou manter o anonimato. E, em termos de ícones culturais, há tanta gente que admiro pelo seu trabalho que nem saberia por onde começar. Suponho que, para mim, um ponto de partida seria William Burroughs e Marcel Duchamp. Foram os primeiros a desconstruir o que eu conhecia da sociedade de uma forma que considerei irónica, espirituosa e cativante. E vi e li e pensei: “Quero fazer isso!” (risos) Mas trata-se de rock’n’roll, portanto tem que ser um pouco diferente. A lista não acaba, sabe… Quero dizer, não passo de um fã! (risos) Sou um fã, sou um fã…
Michel Denisot: E ao nível da amizade, as pessoas importantes?
David Bowie: Bom, como disse, a maioria não é conhecida do público, pelo que não significam nada para… (fala para a câmara) não vos diriam nada, vocês não os conheceriam! Vamos chamá-los Bob, Ted e Alice. É isso…
Michel Denisot: Ok. Muito bem. Procura o equilíbrio ou o desequilíbrio na sua vida?
David Bowie: Bom, não acho que tenha procurar o caos muito longe, acho que é… (risos) é uma parte inevitável da nossa existência, portanto acho que me debato para encontrar um equilíbrio nesse caos. E sou bastante tradicional, o suficiente para aventar que ele nasce de se ter um relacionamento ótimo com outra pessoa. Mas, enfim, não passo de um tipo à moda antiga! (faz uma expressão sorridente e exagerada)
Michel Denisot: Nessa forma de viver houve momentos em que perdeu o rumo? À parte atualmente, já que tem um ar muito zen?
David Bowie: Quem não se perdeu?
Michel Denisot: E quem é que o salvou?
David Bowie: Da primeira vez, acho que foi a minha grande amiga Coco (assistente pessoal). Da segunda vez – acho que o ditado é “gato escaldado de água fria tem medo” - , da segunda vez acho que fui suficientemente rápido para perceber que tinha criado os meus próprios problemas, pelo que me coloquei num estilo de vida mais alinhado. Sim, sem dúvida.
Michel Denisot: E houve alguma terceira vez?
David Bowie: Às três é de vez! (risos) Tenho a certeza de que vivemos para essa terceira vez.
Michel Denisot: Sente-se bem neste fim de século?
David Bowie: Estou absolutamente eufórico! (risos)
Michel Denisot: Mas de onde vem, essa mudança?
David Bowie: Para mim, pessoalmente, o século XXI começou nos anos setenta. Acho apenas que temos sido muito lentos para lá chegar. Penso que grande parte dos absolutos e das formas de pensar e dos sistemas políticos e das formas artísticas iniciaram uma transição massiva nos anos sessenta. E acho que foi um prelúdio do século XXI. Penso que vai ser dado uma maior ênfase à comunidade e à vida social dentro da comunidade. Pessoalmente, aguardo-o com expetativa. Sinto grande entusiasmo face às perspetivas do novo século. Que, claro, só vai começar daqui a quatro anos. Vai ser em 2001 que vamos realmente iniciar o novo milénio.
Michel Denisot: Como é que explicou a vida e o mundo ao seu filho Zowie, ou Joe, que tem atualmente cerca de 25 anos e a quem educou?
David Bowie: (risos) Bom, como ele é que é o filósofo (Duncan Jones licenciou-se em Filosofia), é ele que me explica!
Michel Denisot: E sobre a sua vida, como é que lhe justificou toda a sua vida? Fê-lo ou…?
David Bowie: Bom, não acho que ele tenha o mesmo interesse ávido por biografias minhas que os jornalistas parecem ter, portanto… Porque ele tem o luxo de me conhecer pessoalmente! (risos) Não sei, ele tem os pés muito assentes na terra. Não acho que tenha grandes problemas relativamente ao modo como as pessoas escolhem os seus estilos de vida e às mudanças que ocorrem nas suas vidas. Não me parece que eu seja um grande fardo para ele. Ele é um homem maravilhoso, muito relaxado, embora académico, espirituoso e sério. Está com 25 anos e parece-me que a lidar com a vida extremamente bem. Provavelmente muito melhor do que eu quando tinha a idade dele. Parece ser muito mais moderado… Acho que tem muito a ver com os anos noventa, é um resultado claro dos anos noventa.
Michel Denisot: Ele foi testemunha, a pedido dele mesmo, no seu casamento com Iman. O facto tocou-o muito?
David Bowie: Acho que a verdade foi que todos quisemos estar no mesmo lugar, no mesmo dia. (risos) Bom, é claro. Sempre vivemos juntos, portanto… eu tinha-lho pedido na semana anterior… (risos) Nós partilhamos as nossas vidas, quero dizer, o meu relacionamento com ele é muito forte. Na verdade, trata-se de uma pergunta muito interessante…
Michel Denisot: A sua vida privada foi, durante muito tempo, parte das revistas, suponho que porque o quis. Atualmente, tem um ar muito mais reservado. É mesmo assim?
David Bowie: A verdade é que a minha vida sempre foi privada. “Uma” vida foi documentada e acho que há-de dar um filme excelente. Mas encaro essa pessoa mais como um duplo. E mal posso esperar para ver o que fará a seguir.
Michel Denisot: Quais são os seus esconderijos, afirmou “fui budista durante quinze dias”, sabemos que atualmente ser-se budista está muito na moda… Relativamente às religiões, à espiritualidade, também é uma espécie de extraterrestre ou segue um caminho?
David Bowie: Bom, acho que tenho uma tendência académica muito forte para a religião e para a filosofia em geral. Quero dizer, sou um leitor voraz e acho que encontrei… Todos os estímulos da minha vida e as experiências que vivenciei começaram, de algum modo, na leitura de um livro. Quer tenha sido Jack Kerouac ou…
Michel Denisot: Kerouac, foi o seu irmão Terry quem lho apresentou.
David Bowie: Não tenho muita certeza disso. Mas acho que Kerouac teve a mais duradoura influência em mim, enquanto teenager, porque me transmitiu um estímulo incrível relativamente à liberdade e à visão idealizada de uma América boémia. E isso… isso transmitiu-me… Eu queria mesmo abraçar a cultura norte-americana. Coisas como os blues e a poesia beat e a vida em Nova Iorque ou em São Francisco, tudo isso. Portanto, senti-me incrivelmente bem quando tive a possibilidade de lá ir e de me tornar um americano de aluguer por um ano ou dois. Gostei muito disso.
Michel Denisot: No seu álbum, há uma canção que se chama Seven Years in Tibet (Sete Anos no Tibete), é um livro de um autor alemão de nome Heinrich Harrer…
David Bowie: Bom, uma vez mais, isso remonta a… Tive um flirt passageiro com o budismo quando tinha 18 anos, algo assim. E tropecei numa organização chamada The Buddhist Society (A Sociedade Budista), em Londres. E comecei a assistir a palestras dadas pelo então juiz do Supremo Tribunal, Christmas Humphreys, que era… o único juiz budista da Grã-Bretanha, acho. E, em certa altura, ele foi mesmo o presidente da The Buddhist Society. E, durante essas palestras comunitárias, conheci um jovem tibetano chamado Chime Yondong Rimpoché que, durante uns tempos, se tornou quase o meu guru e que me ensinou muitíssimo sobre o budismo, mais especificamente o budismo tibetano. E mostrou-me o quanto os tibetanos tinham sido maltratados pelos chineses e o que, na altura, estava a acontecer com a ocupação chinesa. E isso levou a que me interessasse pela cultura e pelos aspetos sociais e filosóficos do Tibete e dei com um livro extraordinário de Heinrich Harrer sobre a descoberta do Tibete por um Ocidental, provavelmente a primeira visita de um Ocidental ao Tibete em muitos… mesmo em centenas de anos e sobre como encontrara um sistema social arcaico. E isso ficou comigo durante muitos, muitos anos. E com o advento de uma nova popularidade e o excelente trabalho do Dalai Lama, dando voz ao drama do seu país, voltei a pensar nesse período em que tinha um intenso interesse pelo Tibete. Foi mais ou menos daí que nasceu a canção.
Michel Denisot: David Bowie, desde o início desta entrevista que temos estado muito sérios e, ao público, sendo que a sua imagem não é fácil de acompanhar, já se disse que era um camaleão. Atualmente, talvez haja um segundo camaleão, Prince, não sei o que pensa disso…
David Bowie: Sei que partilhamos a semelhança de ambos escrevermos demais. (risos) E acho que ele partilha as minha indulgências no que toca a alfaiates. (risos) Penso que talvez o seu limiar de atenção seja maior do que o meu. E tem um estilo musical mais estável do que o meu.
Michel Denisot: Atualmente, é mais sóbrio na sua indumentária, ao passo que durante muito tempo a cor…
David Bowie: (ri e abana a cabeça)
Michel Denisot: Não?
David Bowie: Não!
Michel Denisot: Ah, bom! Aqui e hoje. Só hoje.
David Bowie: Hoje, neste dia específico? Demain?
Michel Denisot: Amanhã…
David Bowie: Sou realmente, oh… A verdade é que sou um indivíduo muito animado e despreocupado. Acho que talvez… sim? Espero não parecer demasiado sério, não sou nada sério. Muita liberdade! (sorri)
Michel Denisot: Durante anos, mudou a sua cor de cabelo, mas hoje parece mais estável. Pode vir a mudar amanhã?
David Bowie: Só o pintei de vermelho! Mas posso contar-lhe uma coisa interessante: quando viajei no… Nos anos setenta, em meados dos anos setenta, costumava andar para a frente e para trás, entre a Europa e os Estados Unidos, em transatlânticos, porque tinha muito medo do voar. E havia um cavalheiro, um músico muito conhecido na Grã-Bretanha, que também viajava no navio. E jantou comigo todas as noites da semana, durante as cinco ou seis noites da viagem. E, então, escreveu um artigo para um jornal em que contava que tinha tido um encontro extraordinário com uma criatura que pintava o cabelo de “dourado, verde, azul e amarelo”, acho que foi isso que disse. Eu nunca tive nenhuma cor que não fosse a minha cor natural ou vermelho. Mas, para ele, tinha sido uma experiência multicolorida. Assim, acho que a singularidade de pintarmos o cabelo dá às pessoas o direito a uma fantasia de uma vida maior do que a real. Então, a partir do momento em que tenha levado um pouco de alegria às pessoas por usar peróxido, que mais posso eu querer da vida? (risos)
Michel Denisot: Que tem a dizer aos adolescentes que viram que na sua vida também havia muitos excessos, de droga, de sexo, e, hoje em dia, num mundo muito violento por causa da SIDA, quer dizer-lhes “não façam como eu”?
David Bowie: Não são muitos os adolescentes que me abordem com os seus problemas sexuais. (risos) Ninguém me coloca esse tipo de perguntas! (risos) Pelo menos, os jovens. Estão demasiado ocupados à procura de respostas nos… programas de televisão.
Michel Denisot: Qual foi a sua melhor experiência em termos de cinema? O filme Basquiat vai estrear em França daqui a algumas semanas, em princípio. E desempenha o papel de Andy Warhol, o que deve constituir uma grande satisfação para si.
David Bowie: Na verdade, não gosto muito da parte da representação. Gosto da vida social, de sair com atores mundialmente conhecidos, de sonhar como deve ser a sensação de aparecer num cartaz… Gosto de trabalhar com realizadores realmente interessantes para poder falar com eles. A parte da representação é apenas uma coisa que temos de fazer para estar nesse mundo. Mas prefiro de longe tudo o que tem de divertido. Mesmo. E tive muita sorte por gente como… quero dizer, as hipóteses de que nos ofereçam papéis são poucas, pelo menos se não formos atores. Foi o máximo trabalhar com gente como o Christopher Walken e o Dennis Hopper e o Gary Oldman no Basquiat. E também gostei muito de ver alguém como o Julian Schnabel ir ao fundo de si mesmo e encontrar um grande talento de realização. Foi uma coisa extraordinária. Porque ele tinha a noção de que era ingénuo e uma espécie de recém-chegado aos filmes, mas integrou-se bem. Ele não se limitou a nenhumas regras e filmou à sua maneira na perspetiva, uma vez mais, de um admirador de cinema. E foi maravilhoso vê-lo desabrochar como realizador, fantástico. Por outro lado, foi excelente trabalhar com o Scorcese na Última Tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ). É alguém que compreende o vocabulário e a linguagem dos filmes tão bem e de forma tão íntima, um mestre da sua arte… Vê-lo trabalhar também foi espetacular. Portanto, tendo a… Se faço filmes, tendo a… A minha primeira pergunta é: “quem é o realizador?”. E se se tratar de alguém realmente cativante, leio o guião, compreende? Primeiro penso no realizador e só depois descubro de que trata o filme. Mas o filme é quase secundário. Se se tratar de alguém como o Scorcese, simplesmente não dizemos que não. Dizemos: “Sim, adoraria fazê-lo. Muito obrigado!”.
Michel Denisot: De entre os realizadores com quem nunca trabalhou, a quais diria que sim imediatamente, de olhos fechados?
David Bowie: Creio que o Jim Jarmusch. É ótimo. E, claro, Luc Besson. (risos) Conheci o Luc, gosto bastante dele. Acho que teria gostado muito de ter trabalhado com o Fassbinder. E talvez sejam os três de que me lembro. Bastante. Sim. Seria bom. Mas não é um problema. Quero dizer, não está na minha lista de prioridades.
Michel Denisot: A prioridade é…
David Bowie: Ficaria contente se simplesmente usassem a minha música nos filmes deles, isso far-me-ia feliz.
Michel Denisot: A pintura também é uma das suas atividades importantes. Já expôs por diversas vezes. Tem vontade se dedicar cada vez mais à pintura?
David Bowie: Não, acho que tenho tudo bem equilibrado. Acho que nos anos oitenta pintei e esculpi mais. Mas, então, criei novas músicas, especialmente por volta de meados de… por volta de 84 a 86, 84-86. Senti uma grande indiferença para com a música que fazia, não gostava dela, considerava-a bastante má. E tive que me afastar dela. A forma como me afastei foi dedicar-me a outro meio de comunicar. Portanto, resolvi os meus problemas através de outro modo de expressão. Agora, acho que encontrei um bom equilíbrio. A música voltou a ser a minha prioridade, tal como costumava ser, e as outras coisas que faço fornecem-me uma excelente base para a minha forma de escrever música. E alegraram-me. Alegraram-me. Alegra-me fazer outras coisas. Nada de especial…
Michel Denisot: Vive intensamente o presente, o que aconteceu ontem não lhe interessa muito ou de todo. Sente-se muito próximo do seu próprio futuro? Sabe o que vai fazer daqui a três, quatro, seis meses, ou trata-se de um mistério?
David Bowie: Sim. A minha visão do futuro limita-se a onze meses e três quartos. Trata-se de uma regra que criei nos meus últimos dez anos de vida: apenas onze meses e três quartos. Nunca vou além disso. E quanto ao que estou a fazer agora, vou dar um enorme concerto de aniversário a 9 de janeiro, com alguns convidados, alguns amigos, no Madison Square Garden. Depois, na primavera e verão do ano que vem, vou voltar a participar em festivais na Europa, algo que gostei muito de fazer no ano passado. Achei ótimo. E, paro pouco depois porque, depois de onze meses e três quartos, não faço a mínima ideia. (sorriso)
Michel Denisot: Relativamente ao álbum que vai sair, não tem nenhum programa com que nos vá surpreender fazendo… apresentando-se em situações imprevistas e não nos circuitos habituais?
David Bowie: Na minha opinião, o aspeto mais estimulante do que possamos vir a fazer este verão é que nos pediram para tocar em algumas raves, o que significa que teremos que apresentar dance music a multidões muito embriagadas. Essa é que deve ser uma experiência!
Michel Denisot: São muito difíceis de organizar em França, são muito vigiadas pela polícia, as raves…
David Bowie: (faz um ar assustado) Quê! (risos) De certeza que se pode dar a volta a isso!
Michel Denisot: De que gosta mais quando vem a Paris?
David Bowie: Da minha mulher.
Michel Denisot: Sim. E a Londres? A minha mulher? E à Suíça, a minha mulher?
David Bowie: (risos)
Michel Denisot: E em Los Angeles também.
David Bowie: Sim, é um bocado assim.
Michel Denisot: Sim.
David Bowie: Ainda sou hmm…
Michel Denisot: Ela chega perto de si, consegue segui-lo? Porque nem sempre é fácil…
David Bowie: É recíproco. Parece funcionar muitíssimo bem, mas se eu estiver a trabalhar afincadamente num projeto costuma ser mera coincidência e conveniência que ela não esteja a trabalhar durante esse tempo. E até agora, durante os últimos sete anos, as coisas têm funcionado muito bem assim. E se ela estiver a trabalhar, em qualquer caso, posso estar com ela porque grande parte do que faço é trabalho cerebral. Ou seja, é trabalhar, escrever, alinhavar as coisas. O trabalho de estúdio é apenas uma parte do que faço. Então, posso fazer uma grande parte do meu trabalho onde quer que ela esteja. Posso estar num quarto de hotel a debater-me com uma canção enquanto ela faz o quer que faça quando não está num quarto de hotel. (risos)
Michel Denisot: O que é mais importante na sua vida?
David Bowie: Oh… Odeio essa pergunta! (risos)
Michel Denisot: Passamos a outra…
David Bowie: Parece tão impossível de responder! Mas vou tentar!... Acho que tem a ver com conseguir chegar ao fim de um dado dia e sentir que nos deu e lhe demos tudo o que era possível. Atualmente, detesto desperdiçar dias. Acho que isso é importante. Acho… (risos)
Michel Denisot: Sabe o que vai fazer amanhã?
David Bowie: Mas posso estar errado! Sabe? Não faço a mínima ideia! (risos) Não sei mesmo! Agora é que me apanhou… Vou estar no estúdio. Vou estar no estúdio, tenho que terminar umas misturas, pelo menos isso eu sei.
Michel Denisot: No seu álbum, está vestido com a bandeira britânica e há um tema chamado Battle for Britain…
David Bowie: Acho que tem algum tipo de pretensão histórica. Da primeira vez, antes do movimento punk, na primeira espécie de rock pop art dos anos sessenta, o Pete Townshend usou um casaco com a bandeira. Exatamente a mesma coisa. E mais tarde, com o movimento punk, nos anos setenta, os punks usaram a bandeira e rasgaram-na e atravessaram-na com alfinetes. Assim, a minha revisão pós-modernista disso é um casaco com a bandeira rasgada e com alfinetes. (risos) Também é uma sobrecasaca, o que simboliza um império que já não existe. (risos)
Michel Denisot: É cidadão do mundo ou cidadão inglês?
David Bowie: Oh! (risos) Mais oui! Oh, dis donc! Um cidadão do universo! (risos) Sim, claro! O meu povo… O meu povo. Estou muito excitado por terem encontrado água na lua! (risos) Acho que é uma indicação de que realmente há vida. Recentemente, encontraram tanta água que ou o universo está grávido ou descobriram uma nova tecnologia que lhes permitiu descobrir água. Porque tudo isso aconteceu nos últimos dois ou três anos. De repente, há água em todo o lado. Quero dizer, deve lá ter estado durante milhares de milhões de anos, certo? Mas só agora é que a descobriram. E onde há água, há vida, pelo que acho que isso aponta de forma drástica para uma possibilidade ainda mais forte de existirem milhões de pequenos Steven Spielbergs por aí, algures. O que é muito estimulante para nós, autores.
Michel Denisot: Muito obrigado.
David Bowie: O prazer foi meu.
O programa continua com Bono, o vocalista dos U2, dentro de um automóvel, dizendo: “Estou a pensar no que direi ao David Bowie no seu quinquagésimo aniversário. Antes de mais, ele parece ter ainda 15 anos. Eu tinha uma imagem na minha parede, no meu quarto, um quarto muito pequeno, uma parede muito pequena e um enorme corte de cabelo que pertencia a… a Ziggy Stardust. E cresci com os olhos do David Bowie, um dos quais tinha explodido, a olharem-me da parede. E, de manhã, quando acordava, o David começava a falar comigo e a dizer-me o que fazer e eu ouvia-o sempre e aqui estou… Devo tudo ao David”.
Depois, o programa conclui com filmagens do concerto do quinquagésimo aniversário de David Bowie, a oferta de um bolo de aniversário, o apagar das velas e Bowie a dizer: “para aqueles que me vieram ver ao longo de tantos anos, tem sido uma viagem fantástica, muito obrigado. Para os que agora possam ter descoberto a minha música, não sei para onde vou, mas prometo que não vos vou aborrecer!”, seguido da versão ao vivo de The Jean Genie e de um diálogo de bastidores com Lou Reed:
Lou Reed: Aí, avanças com outro refrão.
David Bowie: Eu tomo conta disso.
Lou Reed: Podem arranjar-me uma cópia da letra?
(…)
David Bowie: Se quiseres, tocas só a guitarra, certo? E, depois, avançamos para Waiting for the Man, Boulevard (Dirty Boulevard, 1988-89) e White Light (White Light/White Heat, 1968). Porque estão nessa ordem…
Por fim, passam as versões ao vivo de Waiting for the Man (com Bowie e Lou Reed a partilharem a voz) e I’m Afraid of Americans.
David Bowie: Talvez porque se trate de uma coleção dos estilos de todos. Não tenho a certeza de ter um estilo em particular. Acho que não tenho nenhuma lealdade a um dado estilo. O que faço é mais uma síntese dos meus entusiasmos, daquilo de que gosto, quer se trate das artes visuais ou da música ou do teatro ou de filmes. Os aspetos que tornam a sociedade interessante, a forma como exprimimos a nossa sociedade. Acho todas essas expressões estimulantes e todas elas são canalizadas para o meu trabalho. E acho que, para mim, a ideia de estilo é algo que considero adaptável e, normalmente, escolho um estilo que se adapte ao material com o qual estou a trabalhar. Talvez seja por isso que soa diferente. É diferente e é igual.
Michel Denisot: Afirmou que nunca haverá um David Bowie definitivo e dá-nos a prova disso a cada instante, todos os dias, a cada minuto que passa. Neste caso, trata-se de um estilo musical muito diferente com música jungle, com um trabalho que também desenvolveu na Internet, havia uma canção como Telling Lies que apresentou na Internet e a versão definitiva foi um pouco escolhida pelos internautas. Isto é correto?
David Bowie: Acabo de pensar na parte inicial da sua afirmação. Acho que a mudança é apenas de estilo. Penso que há uma continuidade muito forte na parte temática do meu trabalho. Grande parte dele sempre lidou, e continua a lidar, até um certo ponto, com os sentimentos de distância da sociedade e, talvez também, com a reavaliação da nossa vida espiritual. Acho que uma preocupação dos finais do século XX reside em saber como podemos arranjar um lugar para o nosso novo Deus. Acho que estamos a chegar a uma era do caos e que o caos tem um significado nas nossas vidas e penso que temos que readaptar a nossa interpretação da religião e da espiritualidade de forma a que possa adaptar-se ao novo milénio que aí vem. Retomando a sua outra pergunta, acho que a Internet é fixe! (risos) Acho que é… Para alguém como eu, que escreve demasiado, tenho demasiado material, grande parte dele não está acessível, acho que se trata de uma excelente forma de o tornar acessível a um público que poderia não conseguir conhecê-lo através dos discos. Porque o único problema de trabalhar com uma empresa como uma companhia discográfica…
Michel Denisot: É o fim dos discos…
David Bowie: Enquanto forma, enquanto veículo do som, talvez seja, sim. Acho que a Internet é o futuro do nosso prazer auditivo de uma forma ou de outra. Teremos que fazer o download de algo e, para já, acho que o próximo passo serão os CDs graváveis. Penso que iremos passar coisas do computador para um formato CD. Vamos ser os nossos próprios fabricantes, acho.
Michel Denisot: Que contacto mantém com os seus fãs na Internet? É verdade que lhes responde?
David Bowie: Só anonimamente! (risos) Mas respondo. Lanço-lhes desafios com boatos e histórias apócrifas e sugestões de passados potenciais e vejo como lidam com isso.
Michel Denisot: Vimos muita gente no filme, nesta entrevista, a recontar a sua carreira. Quem são, hoje em dia, os homens e mulheres que contaram na sua vida?
David Bowie: Tenho relações muito próximas com os meus amigos. A maioria deles é bastante anónima para o público, o público não os conheceria nem reconheceria. Portanto, é óbvio que lhes vou manter o anonimato. E, em termos de ícones culturais, há tanta gente que admiro pelo seu trabalho que nem saberia por onde começar. Suponho que, para mim, um ponto de partida seria William Burroughs e Marcel Duchamp. Foram os primeiros a desconstruir o que eu conhecia da sociedade de uma forma que considerei irónica, espirituosa e cativante. E vi e li e pensei: “Quero fazer isso!” (risos) Mas trata-se de rock’n’roll, portanto tem que ser um pouco diferente. A lista não acaba, sabe… Quero dizer, não passo de um fã! (risos) Sou um fã, sou um fã…
Michel Denisot: E ao nível da amizade, as pessoas importantes?
David Bowie: Bom, como disse, a maioria não é conhecida do público, pelo que não significam nada para… (fala para a câmara) não vos diriam nada, vocês não os conheceriam! Vamos chamá-los Bob, Ted e Alice. É isso…
Michel Denisot: Ok. Muito bem. Procura o equilíbrio ou o desequilíbrio na sua vida?
David Bowie: Bom, não acho que tenha procurar o caos muito longe, acho que é… (risos) é uma parte inevitável da nossa existência, portanto acho que me debato para encontrar um equilíbrio nesse caos. E sou bastante tradicional, o suficiente para aventar que ele nasce de se ter um relacionamento ótimo com outra pessoa. Mas, enfim, não passo de um tipo à moda antiga! (faz uma expressão sorridente e exagerada)
Michel Denisot: Nessa forma de viver houve momentos em que perdeu o rumo? À parte atualmente, já que tem um ar muito zen?
David Bowie: Quem não se perdeu?
Michel Denisot: E quem é que o salvou?
David Bowie: Da primeira vez, acho que foi a minha grande amiga Coco (assistente pessoal). Da segunda vez – acho que o ditado é “gato escaldado de água fria tem medo” - , da segunda vez acho que fui suficientemente rápido para perceber que tinha criado os meus próprios problemas, pelo que me coloquei num estilo de vida mais alinhado. Sim, sem dúvida.
Michel Denisot: E houve alguma terceira vez?
David Bowie: Às três é de vez! (risos) Tenho a certeza de que vivemos para essa terceira vez.
Michel Denisot: Sente-se bem neste fim de século?
David Bowie: Estou absolutamente eufórico! (risos)
Michel Denisot: Mas de onde vem, essa mudança?
David Bowie: Para mim, pessoalmente, o século XXI começou nos anos setenta. Acho apenas que temos sido muito lentos para lá chegar. Penso que grande parte dos absolutos e das formas de pensar e dos sistemas políticos e das formas artísticas iniciaram uma transição massiva nos anos sessenta. E acho que foi um prelúdio do século XXI. Penso que vai ser dado uma maior ênfase à comunidade e à vida social dentro da comunidade. Pessoalmente, aguardo-o com expetativa. Sinto grande entusiasmo face às perspetivas do novo século. Que, claro, só vai começar daqui a quatro anos. Vai ser em 2001 que vamos realmente iniciar o novo milénio.
Michel Denisot: Como é que explicou a vida e o mundo ao seu filho Zowie, ou Joe, que tem atualmente cerca de 25 anos e a quem educou?
David Bowie: (risos) Bom, como ele é que é o filósofo (Duncan Jones licenciou-se em Filosofia), é ele que me explica!
Michel Denisot: E sobre a sua vida, como é que lhe justificou toda a sua vida? Fê-lo ou…?
David Bowie: Bom, não acho que ele tenha o mesmo interesse ávido por biografias minhas que os jornalistas parecem ter, portanto… Porque ele tem o luxo de me conhecer pessoalmente! (risos) Não sei, ele tem os pés muito assentes na terra. Não acho que tenha grandes problemas relativamente ao modo como as pessoas escolhem os seus estilos de vida e às mudanças que ocorrem nas suas vidas. Não me parece que eu seja um grande fardo para ele. Ele é um homem maravilhoso, muito relaxado, embora académico, espirituoso e sério. Está com 25 anos e parece-me que a lidar com a vida extremamente bem. Provavelmente muito melhor do que eu quando tinha a idade dele. Parece ser muito mais moderado… Acho que tem muito a ver com os anos noventa, é um resultado claro dos anos noventa.
Michel Denisot: Ele foi testemunha, a pedido dele mesmo, no seu casamento com Iman. O facto tocou-o muito?
David Bowie: Acho que a verdade foi que todos quisemos estar no mesmo lugar, no mesmo dia. (risos) Bom, é claro. Sempre vivemos juntos, portanto… eu tinha-lho pedido na semana anterior… (risos) Nós partilhamos as nossas vidas, quero dizer, o meu relacionamento com ele é muito forte. Na verdade, trata-se de uma pergunta muito interessante…
Michel Denisot: A sua vida privada foi, durante muito tempo, parte das revistas, suponho que porque o quis. Atualmente, tem um ar muito mais reservado. É mesmo assim?
David Bowie: A verdade é que a minha vida sempre foi privada. “Uma” vida foi documentada e acho que há-de dar um filme excelente. Mas encaro essa pessoa mais como um duplo. E mal posso esperar para ver o que fará a seguir.
Michel Denisot: Quais são os seus esconderijos, afirmou “fui budista durante quinze dias”, sabemos que atualmente ser-se budista está muito na moda… Relativamente às religiões, à espiritualidade, também é uma espécie de extraterrestre ou segue um caminho?
David Bowie: Bom, acho que tenho uma tendência académica muito forte para a religião e para a filosofia em geral. Quero dizer, sou um leitor voraz e acho que encontrei… Todos os estímulos da minha vida e as experiências que vivenciei começaram, de algum modo, na leitura de um livro. Quer tenha sido Jack Kerouac ou…
Michel Denisot: Kerouac, foi o seu irmão Terry quem lho apresentou.
David Bowie: Não tenho muita certeza disso. Mas acho que Kerouac teve a mais duradoura influência em mim, enquanto teenager, porque me transmitiu um estímulo incrível relativamente à liberdade e à visão idealizada de uma América boémia. E isso… isso transmitiu-me… Eu queria mesmo abraçar a cultura norte-americana. Coisas como os blues e a poesia beat e a vida em Nova Iorque ou em São Francisco, tudo isso. Portanto, senti-me incrivelmente bem quando tive a possibilidade de lá ir e de me tornar um americano de aluguer por um ano ou dois. Gostei muito disso.
Michel Denisot: No seu álbum, há uma canção que se chama Seven Years in Tibet (Sete Anos no Tibete), é um livro de um autor alemão de nome Heinrich Harrer…
David Bowie: Bom, uma vez mais, isso remonta a… Tive um flirt passageiro com o budismo quando tinha 18 anos, algo assim. E tropecei numa organização chamada The Buddhist Society (A Sociedade Budista), em Londres. E comecei a assistir a palestras dadas pelo então juiz do Supremo Tribunal, Christmas Humphreys, que era… o único juiz budista da Grã-Bretanha, acho. E, em certa altura, ele foi mesmo o presidente da The Buddhist Society. E, durante essas palestras comunitárias, conheci um jovem tibetano chamado Chime Yondong Rimpoché que, durante uns tempos, se tornou quase o meu guru e que me ensinou muitíssimo sobre o budismo, mais especificamente o budismo tibetano. E mostrou-me o quanto os tibetanos tinham sido maltratados pelos chineses e o que, na altura, estava a acontecer com a ocupação chinesa. E isso levou a que me interessasse pela cultura e pelos aspetos sociais e filosóficos do Tibete e dei com um livro extraordinário de Heinrich Harrer sobre a descoberta do Tibete por um Ocidental, provavelmente a primeira visita de um Ocidental ao Tibete em muitos… mesmo em centenas de anos e sobre como encontrara um sistema social arcaico. E isso ficou comigo durante muitos, muitos anos. E com o advento de uma nova popularidade e o excelente trabalho do Dalai Lama, dando voz ao drama do seu país, voltei a pensar nesse período em que tinha um intenso interesse pelo Tibete. Foi mais ou menos daí que nasceu a canção.
Michel Denisot: David Bowie, desde o início desta entrevista que temos estado muito sérios e, ao público, sendo que a sua imagem não é fácil de acompanhar, já se disse que era um camaleão. Atualmente, talvez haja um segundo camaleão, Prince, não sei o que pensa disso…
David Bowie: Sei que partilhamos a semelhança de ambos escrevermos demais. (risos) E acho que ele partilha as minha indulgências no que toca a alfaiates. (risos) Penso que talvez o seu limiar de atenção seja maior do que o meu. E tem um estilo musical mais estável do que o meu.
Michel Denisot: Atualmente, é mais sóbrio na sua indumentária, ao passo que durante muito tempo a cor…
David Bowie: (ri e abana a cabeça)
Michel Denisot: Não?
David Bowie: Não!
Michel Denisot: Ah, bom! Aqui e hoje. Só hoje.
David Bowie: Hoje, neste dia específico? Demain?
Michel Denisot: Amanhã…
David Bowie: Sou realmente, oh… A verdade é que sou um indivíduo muito animado e despreocupado. Acho que talvez… sim? Espero não parecer demasiado sério, não sou nada sério. Muita liberdade! (sorri)
Michel Denisot: Durante anos, mudou a sua cor de cabelo, mas hoje parece mais estável. Pode vir a mudar amanhã?
David Bowie: Só o pintei de vermelho! Mas posso contar-lhe uma coisa interessante: quando viajei no… Nos anos setenta, em meados dos anos setenta, costumava andar para a frente e para trás, entre a Europa e os Estados Unidos, em transatlânticos, porque tinha muito medo do voar. E havia um cavalheiro, um músico muito conhecido na Grã-Bretanha, que também viajava no navio. E jantou comigo todas as noites da semana, durante as cinco ou seis noites da viagem. E, então, escreveu um artigo para um jornal em que contava que tinha tido um encontro extraordinário com uma criatura que pintava o cabelo de “dourado, verde, azul e amarelo”, acho que foi isso que disse. Eu nunca tive nenhuma cor que não fosse a minha cor natural ou vermelho. Mas, para ele, tinha sido uma experiência multicolorida. Assim, acho que a singularidade de pintarmos o cabelo dá às pessoas o direito a uma fantasia de uma vida maior do que a real. Então, a partir do momento em que tenha levado um pouco de alegria às pessoas por usar peróxido, que mais posso eu querer da vida? (risos)
Michel Denisot: Que tem a dizer aos adolescentes que viram que na sua vida também havia muitos excessos, de droga, de sexo, e, hoje em dia, num mundo muito violento por causa da SIDA, quer dizer-lhes “não façam como eu”?
David Bowie: Não são muitos os adolescentes que me abordem com os seus problemas sexuais. (risos) Ninguém me coloca esse tipo de perguntas! (risos) Pelo menos, os jovens. Estão demasiado ocupados à procura de respostas nos… programas de televisão.
Michel Denisot: Qual foi a sua melhor experiência em termos de cinema? O filme Basquiat vai estrear em França daqui a algumas semanas, em princípio. E desempenha o papel de Andy Warhol, o que deve constituir uma grande satisfação para si.
David Bowie: Na verdade, não gosto muito da parte da representação. Gosto da vida social, de sair com atores mundialmente conhecidos, de sonhar como deve ser a sensação de aparecer num cartaz… Gosto de trabalhar com realizadores realmente interessantes para poder falar com eles. A parte da representação é apenas uma coisa que temos de fazer para estar nesse mundo. Mas prefiro de longe tudo o que tem de divertido. Mesmo. E tive muita sorte por gente como… quero dizer, as hipóteses de que nos ofereçam papéis são poucas, pelo menos se não formos atores. Foi o máximo trabalhar com gente como o Christopher Walken e o Dennis Hopper e o Gary Oldman no Basquiat. E também gostei muito de ver alguém como o Julian Schnabel ir ao fundo de si mesmo e encontrar um grande talento de realização. Foi uma coisa extraordinária. Porque ele tinha a noção de que era ingénuo e uma espécie de recém-chegado aos filmes, mas integrou-se bem. Ele não se limitou a nenhumas regras e filmou à sua maneira na perspetiva, uma vez mais, de um admirador de cinema. E foi maravilhoso vê-lo desabrochar como realizador, fantástico. Por outro lado, foi excelente trabalhar com o Scorcese na Última Tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ). É alguém que compreende o vocabulário e a linguagem dos filmes tão bem e de forma tão íntima, um mestre da sua arte… Vê-lo trabalhar também foi espetacular. Portanto, tendo a… Se faço filmes, tendo a… A minha primeira pergunta é: “quem é o realizador?”. E se se tratar de alguém realmente cativante, leio o guião, compreende? Primeiro penso no realizador e só depois descubro de que trata o filme. Mas o filme é quase secundário. Se se tratar de alguém como o Scorcese, simplesmente não dizemos que não. Dizemos: “Sim, adoraria fazê-lo. Muito obrigado!”.
Michel Denisot: De entre os realizadores com quem nunca trabalhou, a quais diria que sim imediatamente, de olhos fechados?
David Bowie: Creio que o Jim Jarmusch. É ótimo. E, claro, Luc Besson. (risos) Conheci o Luc, gosto bastante dele. Acho que teria gostado muito de ter trabalhado com o Fassbinder. E talvez sejam os três de que me lembro. Bastante. Sim. Seria bom. Mas não é um problema. Quero dizer, não está na minha lista de prioridades.
Michel Denisot: A prioridade é…
David Bowie: Ficaria contente se simplesmente usassem a minha música nos filmes deles, isso far-me-ia feliz.
Michel Denisot: A pintura também é uma das suas atividades importantes. Já expôs por diversas vezes. Tem vontade se dedicar cada vez mais à pintura?
David Bowie: Não, acho que tenho tudo bem equilibrado. Acho que nos anos oitenta pintei e esculpi mais. Mas, então, criei novas músicas, especialmente por volta de meados de… por volta de 84 a 86, 84-86. Senti uma grande indiferença para com a música que fazia, não gostava dela, considerava-a bastante má. E tive que me afastar dela. A forma como me afastei foi dedicar-me a outro meio de comunicar. Portanto, resolvi os meus problemas através de outro modo de expressão. Agora, acho que encontrei um bom equilíbrio. A música voltou a ser a minha prioridade, tal como costumava ser, e as outras coisas que faço fornecem-me uma excelente base para a minha forma de escrever música. E alegraram-me. Alegraram-me. Alegra-me fazer outras coisas. Nada de especial…
Michel Denisot: Vive intensamente o presente, o que aconteceu ontem não lhe interessa muito ou de todo. Sente-se muito próximo do seu próprio futuro? Sabe o que vai fazer daqui a três, quatro, seis meses, ou trata-se de um mistério?
David Bowie: Sim. A minha visão do futuro limita-se a onze meses e três quartos. Trata-se de uma regra que criei nos meus últimos dez anos de vida: apenas onze meses e três quartos. Nunca vou além disso. E quanto ao que estou a fazer agora, vou dar um enorme concerto de aniversário a 9 de janeiro, com alguns convidados, alguns amigos, no Madison Square Garden. Depois, na primavera e verão do ano que vem, vou voltar a participar em festivais na Europa, algo que gostei muito de fazer no ano passado. Achei ótimo. E, paro pouco depois porque, depois de onze meses e três quartos, não faço a mínima ideia. (sorriso)
Michel Denisot: Relativamente ao álbum que vai sair, não tem nenhum programa com que nos vá surpreender fazendo… apresentando-se em situações imprevistas e não nos circuitos habituais?
David Bowie: Na minha opinião, o aspeto mais estimulante do que possamos vir a fazer este verão é que nos pediram para tocar em algumas raves, o que significa que teremos que apresentar dance music a multidões muito embriagadas. Essa é que deve ser uma experiência!
Michel Denisot: São muito difíceis de organizar em França, são muito vigiadas pela polícia, as raves…
David Bowie: (faz um ar assustado) Quê! (risos) De certeza que se pode dar a volta a isso!
Michel Denisot: De que gosta mais quando vem a Paris?
David Bowie: Da minha mulher.
Michel Denisot: Sim. E a Londres? A minha mulher? E à Suíça, a minha mulher?
David Bowie: (risos)
Michel Denisot: E em Los Angeles também.
David Bowie: Sim, é um bocado assim.
Michel Denisot: Sim.
David Bowie: Ainda sou hmm…
Michel Denisot: Ela chega perto de si, consegue segui-lo? Porque nem sempre é fácil…
David Bowie: É recíproco. Parece funcionar muitíssimo bem, mas se eu estiver a trabalhar afincadamente num projeto costuma ser mera coincidência e conveniência que ela não esteja a trabalhar durante esse tempo. E até agora, durante os últimos sete anos, as coisas têm funcionado muito bem assim. E se ela estiver a trabalhar, em qualquer caso, posso estar com ela porque grande parte do que faço é trabalho cerebral. Ou seja, é trabalhar, escrever, alinhavar as coisas. O trabalho de estúdio é apenas uma parte do que faço. Então, posso fazer uma grande parte do meu trabalho onde quer que ela esteja. Posso estar num quarto de hotel a debater-me com uma canção enquanto ela faz o quer que faça quando não está num quarto de hotel. (risos)
Michel Denisot: O que é mais importante na sua vida?
David Bowie: Oh… Odeio essa pergunta! (risos)
Michel Denisot: Passamos a outra…
David Bowie: Parece tão impossível de responder! Mas vou tentar!... Acho que tem a ver com conseguir chegar ao fim de um dado dia e sentir que nos deu e lhe demos tudo o que era possível. Atualmente, detesto desperdiçar dias. Acho que isso é importante. Acho… (risos)
Michel Denisot: Sabe o que vai fazer amanhã?
David Bowie: Mas posso estar errado! Sabe? Não faço a mínima ideia! (risos) Não sei mesmo! Agora é que me apanhou… Vou estar no estúdio. Vou estar no estúdio, tenho que terminar umas misturas, pelo menos isso eu sei.
Michel Denisot: No seu álbum, está vestido com a bandeira britânica e há um tema chamado Battle for Britain…
David Bowie: Acho que tem algum tipo de pretensão histórica. Da primeira vez, antes do movimento punk, na primeira espécie de rock pop art dos anos sessenta, o Pete Townshend usou um casaco com a bandeira. Exatamente a mesma coisa. E mais tarde, com o movimento punk, nos anos setenta, os punks usaram a bandeira e rasgaram-na e atravessaram-na com alfinetes. Assim, a minha revisão pós-modernista disso é um casaco com a bandeira rasgada e com alfinetes. (risos) Também é uma sobrecasaca, o que simboliza um império que já não existe. (risos)
Michel Denisot: É cidadão do mundo ou cidadão inglês?
David Bowie: Oh! (risos) Mais oui! Oh, dis donc! Um cidadão do universo! (risos) Sim, claro! O meu povo… O meu povo. Estou muito excitado por terem encontrado água na lua! (risos) Acho que é uma indicação de que realmente há vida. Recentemente, encontraram tanta água que ou o universo está grávido ou descobriram uma nova tecnologia que lhes permitiu descobrir água. Porque tudo isso aconteceu nos últimos dois ou três anos. De repente, há água em todo o lado. Quero dizer, deve lá ter estado durante milhares de milhões de anos, certo? Mas só agora é que a descobriram. E onde há água, há vida, pelo que acho que isso aponta de forma drástica para uma possibilidade ainda mais forte de existirem milhões de pequenos Steven Spielbergs por aí, algures. O que é muito estimulante para nós, autores.
Michel Denisot: Muito obrigado.
David Bowie: O prazer foi meu.
O programa continua com Bono, o vocalista dos U2, dentro de um automóvel, dizendo: “Estou a pensar no que direi ao David Bowie no seu quinquagésimo aniversário. Antes de mais, ele parece ter ainda 15 anos. Eu tinha uma imagem na minha parede, no meu quarto, um quarto muito pequeno, uma parede muito pequena e um enorme corte de cabelo que pertencia a… a Ziggy Stardust. E cresci com os olhos do David Bowie, um dos quais tinha explodido, a olharem-me da parede. E, de manhã, quando acordava, o David começava a falar comigo e a dizer-me o que fazer e eu ouvia-o sempre e aqui estou… Devo tudo ao David”.
Depois, o programa conclui com filmagens do concerto do quinquagésimo aniversário de David Bowie, a oferta de um bolo de aniversário, o apagar das velas e Bowie a dizer: “para aqueles que me vieram ver ao longo de tantos anos, tem sido uma viagem fantástica, muito obrigado. Para os que agora possam ter descoberto a minha música, não sei para onde vou, mas prometo que não vos vou aborrecer!”, seguido da versão ao vivo de The Jean Genie e de um diálogo de bastidores com Lou Reed:
Lou Reed: Aí, avanças com outro refrão.
David Bowie: Eu tomo conta disso.
Lou Reed: Podem arranjar-me uma cópia da letra?
(…)
David Bowie: Se quiseres, tocas só a guitarra, certo? E, depois, avançamos para Waiting for the Man, Boulevard (Dirty Boulevard, 1988-89) e White Light (White Light/White Heat, 1968). Porque estão nessa ordem…
Por fim, passam as versões ao vivo de Waiting for the Man (com Bowie e Lou Reed a partilharem a voz) e I’m Afraid of Americans.