2002: Entrevista acerca do álbum Heathen (fonte desconhecida)
Entrevistador: Porque é que chamaste ao teu álbum Heathen (pagão)?
David Bowie: Heathen soou bem porque era sobre a mente não iluminada. Era uma ideia do falhanço, uma perceção daquilo em que que o homem do século XXI se pode transformar se não for já assim, alguém que baixou os seus padrões, espiritualmente, moralmente, seja lá o que for. Alguém que já nem sequer se esforçou na procura de uma vida espiritual dado que existe inteiramente num plano materialista. Mas esta utilização da palavra heathen é menos enfadonha do que explicá-lo. Porque se escrevêssemos tudo isso na capa de um álbum ninguém se daria ao trabalho de o comprar, pois não?
Entrevistador: Como é que acabaste a trabalhar novamente com Tony Visconti em Heathen?
David Bowie: Na verdade, tinha andado a falar com o Tony acerca de gravar este álbum há uns quatro anos mas nunca me pareceu que fosse o momento certo para o fazer. No fundo de mim, sentia muito medo de que acabássemos a recriar o que já tínhamos feito no fim dos anos setenta, início dos anos oitenta… Não queria copiar o que quer que fosse que já tivéssemos feito. Sei que o Tony tem uma certa sensatez e um certo tipo de estética com que me sinto muito confortável quando trabalhamos juntos, mas não queria mesmo manchar o trabalho que já tínhamos feito porque era tão bom e as pessoas sentiam-se tão bem relativamente a ele… Portanto, estava efetivamente à espera até encontrar canções que parecessem bem para nelas trabalharmos em conjunto, que não exigissem nenhuma engenharia do passado ou escavá-lo à procura de tipos específicos de sons do que quer que fosse. E, por volta de janeiro deste ano, comecei a escrever uma canção com a qual me senti realmente satisfeito e pensei “Este é o tipo de coisa que posso fazer com o Tony”.
Entrevistador: Gostas do resultado final de Heathen?
David Bowie: Neste momento acho que poderá ser um dos meus melhores álbuns. Qual é o cliché? (numa voz jocosa) “É o melhor álbum que ele fez desde Scary Monsters!” Bom, não sei de nada disso, mas é um álbum muito bom. Acho que vai passar muito bem para o palco. Sinto-me mesmo entusiasmado com a ideia de levar o álbum ao palco. Vou dar espetáculos no mês que vem, não me consigo lembrar qual, bom, em breve, seja como for, vou fazer espetáculos com este conjunto de canções do álbum. Estou absolutamente preparado para provocar quem quiser assistir aos espetáculos.
Entrevistador: Quem são os músicos convidados em Heathen?
David Bowie: Havia pessoas que apareciam ocasionalmente para tocar entre uma e outra canção. O Carlos Alomar tocou num dos temas, Everyone Says Hi. O Pete Townshend tocou em Slowburn. O David Grohl trabalhou no I’ve Been Waiting for You, do Neil Young. E o resto do trabalho das guitarras foi feito pelo David Torn ou por mim mesmo com o Gerry Leonard, que é um excelente guitarrista de Nova Iorque. Fartei-me de tocar neste álbum sem qualquer tipo de intenções de o fazer. Levantava-me muito cedo de manhã e chegava ao estúdio antes que qualquer outra pessoa… tivesse sequer nascido – era tão cedo como isso. (a brincar) Até que ponto era cedo, David? E sentava-me com os teclados e encontrava diferentes sons, tipo, sim, gosto do som dessas cordas será que não combina bem com…? Grande parte eram sons de fábrica, sons que a fábrica já inclui nos sintetizadores porque não me podia dar ao trabalho de ter que mudar a programação dos sons, portanto escolhia o que encontrava.
Entrevistador: Como é que te sentes relativamente ao teu desempenho vocal em Heathen?
David Bowie: Detesto a minha voz, odeio cantar, a sério! Não é um prazer mas alguém tem que o fazer. Gosto de interpretar canções, acho que é isso, todo o processo. Mais do que tudo, gosto de escrever. Dava o meu braço direito (se calhar, o meu braço direito, não), dava o braço direito de alguém se conseguisse encontrar alguém que cantasse as minhas canções por mim, mesmo, seria ótimo poder dizer “Aí estão as tuas próximas sete” mas, bom, acho que faz parte da vida quando se é um autor e intérprete. (risos) Bom, eu faço a parte da escrita mas deixei de cantar, portanto normalmente mimo (faz uma cara jocosa de mimo, fingindo que canta com uma guitarra imaginária).
Entrevistador: Como é que a personalidade da TV nova-iorquina, Uncle Floyd, entrou para a canção Slip Away?
David Bowie: Slip Away! Na verdade, essa é uma das minhas canções preferidas do álbum, Slip Away. No final dos anos setenta havia uma personagem na televisão em Nova Iorque, uma daquelas estações por cabo curiosas, acho, AZA ou lá o que era, AZA, era capaz de ser, estação ATA ou o que quer que fosse e, claro, New Jersey pelo meio, e havia aquele tipo, o Uncle Floyd, Vinny… não me consigo lembrar do último, mas o primeiro nome dele era Vinny, o seu nome verdadeiro. O Uncle Floyd e, acho que ele trabalhava na sala de estar algures em New Jersey e todos os seus amigos do bairro chegavam com guitarras e narizes engraçados – era suposto ser um programa infantil! – e era o máximo, ele era uma espécie de cruzamento entre o Soupy Sales e o Pee Wee Herman (dois cómicos norte-americanos), ele era o elo perdido, era absolutamente fantástico e eu e toda a gente que conhecia na época corríamos para casa por volta das cinco da tarde para o ver, para garantir que não perdíamos o Uncle Floyd Show. E rebolávamo-nos a rir porque havia tantas insinuações e tantos duplos sentidos, era realmente um espetáculo maravilhoso.
Entrevistador: Qual é a relação entre Ziggy Stardust e o Legendary Stardust Cowboy?
David Bowie: A última canção que escolhi cantar de outro autor era do Legendary Stardust Cowboy. Era um amigo meu em 1968, 69, na Mercury Records. Um dos executivos da Mercury puxou-me para o lado e disse-me: (em voz sussurrada) “David. Gostas de coisas estranhas, não gostas?” “Sim, gosto de coisas estranhas”. “Toca estas…” (risos) E deu-me um pacote de três singles de um artista da Mercury, o Legendary Stardust Cowboy, e eles não tinham ideia do que fazer com ele. (risos) Falem no Heathen! Era como algo que tivesse escapado das entranhas da terra, quer dizer, nunca tinha ouvido nada assim. Eu adorei o material, achei que o tipo era um génio, um génio sem tirar nem pôr. E não fiquei nada surpreendido que quando ele começou a rir toda a gente… se tivesse rido dele! (risos) Livraram-se do desgraçado! Ficou de coração partido… Mas era um som mesmo pioneiro. (dito jocosamente) Gostei tanto dele que comprei a companhia! Gostei tanto dele que lhe saquei o nome para o Ziggy Stardust, é daí que vem o Stardust. Anos mais tarde, tipo na última quinta-feira, estava na Internet e visitei o site dele, ele tem um site de duas páginas na Internet e diz duas coisas que… uma, achei a primeira coisa muito engraçada, ele disse: (numa voz profunda) “O que mais lamento é que o meu pai nunca tenha vivido para ver o meu sucesso”, que eu achei maravilhoso! (risos) A segunda coisa que ele disse, que eu também achei que não era divertida para mim, disse: (de novo com uma voz funda) “Aquele inglês, o David Bowie, roubou o meu nome para a sua personagem Ziggy Stardust e acho que devia cantar algumas canções minhas. Está em dívida comigo”. E senti-me tão culpado e pensei: “Devia, devia mesmo…”
Entrevistador: Qual é o conceito por detrás do teu anúncio televisivo do Slowburn?
David Bowie: Por estranho que pareça, começámos com um anúncio para o álbum e o que fizemos, escolhemos fazer o Slowburn, portanto eu tratei de criar a storyboard da coisa. Tinha pensado em algum dos meus quatro temas costumeiros (risos): medo, isolamento, abandono e – qual era o outro? – hmm, um qualquer à tua escolha.
Entrevistador: Traição.
David Bowie: Quê?
Entrevistador: Traição.
David Bowie: Traição está bem. (sorri) Na verdade, não, traição não, nem sequer vingança, quer dizer, não faço coisas muito zangadas, hmm, roer das unhas, é isso. A verdade é que não quero revelar as coisas porque é tão engraçado por si só… Não sei, há algo muito doméstico no vídeo, é ficção científica doméstica, muito engraçado, tem um bom remate final. E as filmagens correram tão bem… Acho que os vídeos modernos funcionam bem dessa maneira. Filmagens por impulso depois de termos filmado a storyboard, tal como o anúncio exigia, não havia mais nada para filmar e simplesmente inventámos novas coisas. Que era como costumávamos fazer no princípio dos anos setenta, nenhum de nós, estás a ver, é um dólar por segundo – a preço económico! – foi bom improvisarmos, pessoalmente gostei. Detesto fazer vídeos! É mesmo chato…
David Bowie: Heathen soou bem porque era sobre a mente não iluminada. Era uma ideia do falhanço, uma perceção daquilo em que que o homem do século XXI se pode transformar se não for já assim, alguém que baixou os seus padrões, espiritualmente, moralmente, seja lá o que for. Alguém que já nem sequer se esforçou na procura de uma vida espiritual dado que existe inteiramente num plano materialista. Mas esta utilização da palavra heathen é menos enfadonha do que explicá-lo. Porque se escrevêssemos tudo isso na capa de um álbum ninguém se daria ao trabalho de o comprar, pois não?
Entrevistador: Como é que acabaste a trabalhar novamente com Tony Visconti em Heathen?
David Bowie: Na verdade, tinha andado a falar com o Tony acerca de gravar este álbum há uns quatro anos mas nunca me pareceu que fosse o momento certo para o fazer. No fundo de mim, sentia muito medo de que acabássemos a recriar o que já tínhamos feito no fim dos anos setenta, início dos anos oitenta… Não queria copiar o que quer que fosse que já tivéssemos feito. Sei que o Tony tem uma certa sensatez e um certo tipo de estética com que me sinto muito confortável quando trabalhamos juntos, mas não queria mesmo manchar o trabalho que já tínhamos feito porque era tão bom e as pessoas sentiam-se tão bem relativamente a ele… Portanto, estava efetivamente à espera até encontrar canções que parecessem bem para nelas trabalharmos em conjunto, que não exigissem nenhuma engenharia do passado ou escavá-lo à procura de tipos específicos de sons do que quer que fosse. E, por volta de janeiro deste ano, comecei a escrever uma canção com a qual me senti realmente satisfeito e pensei “Este é o tipo de coisa que posso fazer com o Tony”.
Entrevistador: Gostas do resultado final de Heathen?
David Bowie: Neste momento acho que poderá ser um dos meus melhores álbuns. Qual é o cliché? (numa voz jocosa) “É o melhor álbum que ele fez desde Scary Monsters!” Bom, não sei de nada disso, mas é um álbum muito bom. Acho que vai passar muito bem para o palco. Sinto-me mesmo entusiasmado com a ideia de levar o álbum ao palco. Vou dar espetáculos no mês que vem, não me consigo lembrar qual, bom, em breve, seja como for, vou fazer espetáculos com este conjunto de canções do álbum. Estou absolutamente preparado para provocar quem quiser assistir aos espetáculos.
Entrevistador: Quem são os músicos convidados em Heathen?
David Bowie: Havia pessoas que apareciam ocasionalmente para tocar entre uma e outra canção. O Carlos Alomar tocou num dos temas, Everyone Says Hi. O Pete Townshend tocou em Slowburn. O David Grohl trabalhou no I’ve Been Waiting for You, do Neil Young. E o resto do trabalho das guitarras foi feito pelo David Torn ou por mim mesmo com o Gerry Leonard, que é um excelente guitarrista de Nova Iorque. Fartei-me de tocar neste álbum sem qualquer tipo de intenções de o fazer. Levantava-me muito cedo de manhã e chegava ao estúdio antes que qualquer outra pessoa… tivesse sequer nascido – era tão cedo como isso. (a brincar) Até que ponto era cedo, David? E sentava-me com os teclados e encontrava diferentes sons, tipo, sim, gosto do som dessas cordas será que não combina bem com…? Grande parte eram sons de fábrica, sons que a fábrica já inclui nos sintetizadores porque não me podia dar ao trabalho de ter que mudar a programação dos sons, portanto escolhia o que encontrava.
Entrevistador: Como é que te sentes relativamente ao teu desempenho vocal em Heathen?
David Bowie: Detesto a minha voz, odeio cantar, a sério! Não é um prazer mas alguém tem que o fazer. Gosto de interpretar canções, acho que é isso, todo o processo. Mais do que tudo, gosto de escrever. Dava o meu braço direito (se calhar, o meu braço direito, não), dava o braço direito de alguém se conseguisse encontrar alguém que cantasse as minhas canções por mim, mesmo, seria ótimo poder dizer “Aí estão as tuas próximas sete” mas, bom, acho que faz parte da vida quando se é um autor e intérprete. (risos) Bom, eu faço a parte da escrita mas deixei de cantar, portanto normalmente mimo (faz uma cara jocosa de mimo, fingindo que canta com uma guitarra imaginária).
Entrevistador: Como é que a personalidade da TV nova-iorquina, Uncle Floyd, entrou para a canção Slip Away?
David Bowie: Slip Away! Na verdade, essa é uma das minhas canções preferidas do álbum, Slip Away. No final dos anos setenta havia uma personagem na televisão em Nova Iorque, uma daquelas estações por cabo curiosas, acho, AZA ou lá o que era, AZA, era capaz de ser, estação ATA ou o que quer que fosse e, claro, New Jersey pelo meio, e havia aquele tipo, o Uncle Floyd, Vinny… não me consigo lembrar do último, mas o primeiro nome dele era Vinny, o seu nome verdadeiro. O Uncle Floyd e, acho que ele trabalhava na sala de estar algures em New Jersey e todos os seus amigos do bairro chegavam com guitarras e narizes engraçados – era suposto ser um programa infantil! – e era o máximo, ele era uma espécie de cruzamento entre o Soupy Sales e o Pee Wee Herman (dois cómicos norte-americanos), ele era o elo perdido, era absolutamente fantástico e eu e toda a gente que conhecia na época corríamos para casa por volta das cinco da tarde para o ver, para garantir que não perdíamos o Uncle Floyd Show. E rebolávamo-nos a rir porque havia tantas insinuações e tantos duplos sentidos, era realmente um espetáculo maravilhoso.
Entrevistador: Qual é a relação entre Ziggy Stardust e o Legendary Stardust Cowboy?
David Bowie: A última canção que escolhi cantar de outro autor era do Legendary Stardust Cowboy. Era um amigo meu em 1968, 69, na Mercury Records. Um dos executivos da Mercury puxou-me para o lado e disse-me: (em voz sussurrada) “David. Gostas de coisas estranhas, não gostas?” “Sim, gosto de coisas estranhas”. “Toca estas…” (risos) E deu-me um pacote de três singles de um artista da Mercury, o Legendary Stardust Cowboy, e eles não tinham ideia do que fazer com ele. (risos) Falem no Heathen! Era como algo que tivesse escapado das entranhas da terra, quer dizer, nunca tinha ouvido nada assim. Eu adorei o material, achei que o tipo era um génio, um génio sem tirar nem pôr. E não fiquei nada surpreendido que quando ele começou a rir toda a gente… se tivesse rido dele! (risos) Livraram-se do desgraçado! Ficou de coração partido… Mas era um som mesmo pioneiro. (dito jocosamente) Gostei tanto dele que comprei a companhia! Gostei tanto dele que lhe saquei o nome para o Ziggy Stardust, é daí que vem o Stardust. Anos mais tarde, tipo na última quinta-feira, estava na Internet e visitei o site dele, ele tem um site de duas páginas na Internet e diz duas coisas que… uma, achei a primeira coisa muito engraçada, ele disse: (numa voz profunda) “O que mais lamento é que o meu pai nunca tenha vivido para ver o meu sucesso”, que eu achei maravilhoso! (risos) A segunda coisa que ele disse, que eu também achei que não era divertida para mim, disse: (de novo com uma voz funda) “Aquele inglês, o David Bowie, roubou o meu nome para a sua personagem Ziggy Stardust e acho que devia cantar algumas canções minhas. Está em dívida comigo”. E senti-me tão culpado e pensei: “Devia, devia mesmo…”
Entrevistador: Qual é o conceito por detrás do teu anúncio televisivo do Slowburn?
David Bowie: Por estranho que pareça, começámos com um anúncio para o álbum e o que fizemos, escolhemos fazer o Slowburn, portanto eu tratei de criar a storyboard da coisa. Tinha pensado em algum dos meus quatro temas costumeiros (risos): medo, isolamento, abandono e – qual era o outro? – hmm, um qualquer à tua escolha.
Entrevistador: Traição.
David Bowie: Quê?
Entrevistador: Traição.
David Bowie: Traição está bem. (sorri) Na verdade, não, traição não, nem sequer vingança, quer dizer, não faço coisas muito zangadas, hmm, roer das unhas, é isso. A verdade é que não quero revelar as coisas porque é tão engraçado por si só… Não sei, há algo muito doméstico no vídeo, é ficção científica doméstica, muito engraçado, tem um bom remate final. E as filmagens correram tão bem… Acho que os vídeos modernos funcionam bem dessa maneira. Filmagens por impulso depois de termos filmado a storyboard, tal como o anúncio exigia, não havia mais nada para filmar e simplesmente inventámos novas coisas. Que era como costumávamos fazer no princípio dos anos setenta, nenhum de nós, estás a ver, é um dólar por segundo – a preço económico! – foi bom improvisarmos, pessoalmente gostei. Detesto fazer vídeos! É mesmo chato…