1979: Entrevista com Mavis Nicholson, inicialmente difundida na Thames Televison, em 16 de fevereiro
Mavis Nicholson: Sabes, vi-te naquele filme, The Man Who Came To Earth (na verdade, The Man Who Fell To Earth, O Homem que Veio do Espaço em Portugal) e vi um homem perdido no seu próprio vazio.
David Bowie: Sim, bastante.
Mavis Nicholson: Também sentes isso?
David Bowie: Sempre lidei tematicamente com o isolamento, acho que em tudo o que escrevi. Então, trata-se de algo que me desperta, no sentido em que me interessa por projetos novos se tiverem algo a ver com a alienação ou o isolamento.
Mavis Nicholson: Mas sentes-te isolado?
David Bowie: Não, mas consigo imaginar perfeitamente como deverá ser a sensação de estar isolado e, assim, coloquei-me muitas vezes em circunstâncias e posições de isolamento para poder escrever sobre isso.
Mavis Nicholson: Sabes, tenho pensado muito em ti e, de qualquer forma, tenho-te visto, certo?...
David Bowie: O meu fumo está a incomodar-te?
Mavis Nicholson: Não, absolutamente nada. De certo modo, faz de ti aquele ser misterioso de que falaste. (risos) Hmm, acho que o facto de mudares tão recorrentemente de aparência não é nada intrigante… na minha opinião, quero dizer. Porque penso que te usaste como uma tela.
David Bowie: Sim, sem dúvida.
Mavis Nicholson: É assim mesmo?
David Bowie: Sem dúvida. Nunca quis aparecer como eu mesmo no palco, nunca, em momento algum, até recentemente, acho. Portanto, como escrevia enquanto personagem, quis apresentar essas personagens no palco, o que fiz com bastante sucesso na altura.
Mavis Nicholson: Foi apenas um exercício de projetar uma coisa diferente. Como dizes, por exemplo, podias estar a apresentar uma imagem…
David Bowie: Bom, também estava, queria usar o rock’n’roll de algum modo. Cansei-me da mentira de o artista de rock ser, no palco, exatamente como é fora dele, o que, na maioria dos casos, não corresponde em nada à verdade. Portanto, pensei, bom, vou levar isso para o palco e separar completamente as personalidades, a pessoa que está por trás de tudo e que escreve e cria tudo e a que dá entrevistas e faz espetáculos e, assim, criei as personagens e coloquei-as no palco e, de seguida, levava-as mais além e punha-as a dar entrevistas e dava entrevistas enquanto personagem.
Mavis Nicholson: Estavas a esconder-te de nós?
David Bowie: Em parte, mas estava a gostar muito de o fazer. Quero dizer, gosto da ideia de levar as coisas a esse estádio surreal.
Mavis Nicholson: Isso é uma espécie de jogo, continuar com isso, porque frequentaste a Escola de Artes antes de teres feito qualquer outra coisa, não foi?
David Bowie: Sim.
Mavis Nicholson: Sim?
David Bowie: Como todos nós, toda a gente andou na Escola de Artes.
Mavis Nicholson: Certo. E agora pintas.
David Bowie: Sim.
Mavis Nicholson: Mas ainda não estás disposto a deixar-nos ver os teus quadros.
David Bowie: Não. Propuseram-me duas, três mostras que recus… Aceitei duas e depois faltei à minha palavra e disse que não os ia mostrar. Ainda não tinha coragem.
Mavis Nicholson: Porque não? De que é que tens medo?
David Bowie: Oh, sei que sou um bom autor. (risos) Não estou tão certo quanto às minhas pinturas. E também são, para mim, muito pessoais. Hmm, todas elas são retratos e são retratos de pessoas em isolamento, a maioria. Retratos de alemães ou turcos que vivem em Berlim. E podem ser de Berlim Leste a viver agora em Berlim Ocidental, sabendo que as suas famílias estão no outro lado do Muro. Então, procuro capturar muito desse tipo de isolamento e também me coloco a mim mesmo nas telas. São uma parte considerável de mim.
Mavis Nicholson: Hmm. Se te interessas pelo isolamento, é porque achas que uma pessoa num estado de isolamento tem emoções mais fortes do que se estiver rodeada de pessoas?
David Bowie: Acho que se alguém estiver isolado, em lugar de receber o mundo como sendo a sua casa, tende a criar um micromundo dentro de si. E é essa parte peculiar da mente humana que me fascina quando penso nesses pequenos universos que podem ser criados pela mente. Alguns deles, bastante esquizofrénicos e excêntricos.
Mavis Nicholson: Significa que tens que te distanciar bastante de, digamos, de te apaixonares e de te envolveres com alguém?
David Bowie: Oh, não. Acho que até pelo contrário. Para mim, hmm… Apaixono-me muito rapidamente. (risos) Em tempos apaixonava-me mesmo muito. Considero o amor muito importante para a minha escrita.
Mavis Nicholson: Mas o amor, apaixonar-se é diferente de passar a amar alguém.
David Bowie: Sim, é. Sim.
Mavis Nicholson: E a partir do momento em que amas muito alguém, significa que tens que partilhar a vida.
David Bowie: Não, não acho. Pode amar-se alguém à distância.
Mavis Nicholson: Mas se decidisses não amar alguém à distância, e é disso que estou a falar, tu, enquanto artista, terias que abdicar de muito do teu tempo por essa pessoa.
David Bowie: Sim. E não posso fazê-lo.
Mavis Nicholson: Era sobre isso que me interrogava…
David Bowie: Não… Não. Não, o amor não se pode interpor no meu caminho porque aí sinto, hmm, salvaguardo-me incrivelmente.
Mavis Nicholson: Mas de que é que te salvaguardas, quero dizer…
David Bowie: De também perder o outro olho. (risos)
Mavis Nicholson: Sim, certo. Porque o perdeste numa luta?
David Bowie: Sim. Numa luta. Na luta. (risos)
Mavis Nicholson: Numa luta. Lutaram por quê?
David Bowie: Por este outro olho! (risos) Não, foi…
Mavis Nicholson: Não foi nada!
David Bowie: Ele queria ficar com ele e eu também queria ficar com ele e fiquei. Bom, foi por causa de, acho, não me lembro muito bem, por causa de uma rapariga, não me lembro de como se chamava.
Mavis Nicholson: Foi o teu primeiro amor, David Bowie?
David Bowie: Não, eu nem sequer estava apaixonado por ela, não acho que estivesse. E ele achou que estava. E, de certa forma… mas eu não estava apaixonado por ela! E então, certo dia, ele apareceu e agrediu-me.
Mavis Nicholson: Mas houve eles e elas de quem gostaste no teu tempo, não foi?
David Bowie: Segundo li. (risos)
Mavis Nicholson: Eu também só ouvi falar! Mas já te perguntaram se eras ou não bissexual.
David Bowie: Vezes demais.
Mavis Nicholson: Sim. E nunca deste uma resposta cabal.
David Bowie: Dei. Disse que era bissexual e isso chega.
Mavis Nicholson: Mas isso significa que… és mesmo ou que guardas em algum lado…
David Bowie: Já respondi à pergunta.
Mavis Nicholson: Certo. Ok. Posso colocar-te outra pergunta sobre ti parcialmente em isolamento? Quando estás… Agora estás a viver no Japão, não estás?
David Bowie: Acabo de regressar do Japão. Não sei para onde irei a seguir.
Mavis Nicholson: Quando vives num sítio, é porque, uma vez mais, queres ficar isolado?
David Bowie: Sim. Agora não… Sim, agora. Neste momento. Não era assim há um par de anos, queria colocar-me em situações de perigo e fi-lo. Colocar-me em qualquer situação com a qual ache que não sei lidar.
Mavis Nicholson: Situações de perigo… Como por exemplo? Podes explicar?
David Bowie: Áreas em que tenha que socializar com as pessoas, algo em que não sou muito bom.
Mavis Nicholson: Não sei exatamente do que estás a falar.
David Bowie: Bom, fui para Los Angeles e vivi lá um par de anos e é uma cidade que, francamente, detesto. Então, fui para lá viver, no meio de gente de quem não gostava muito, para ver o que acontecia à minha escrita.
Mavis Nicholson: E então percebeste que detestavas o lugar?
David Bowie: Oh, o dobro do que quando para lá fui.
Mavis Nicholson: Bom, o que é que achaste que ias detestar em Los Angeles antes de te mudares para lá?
David Bowie: Tudo o que representava.
Mavis Nicholson: Como por exemplo? Não gostas da América?
David Bowie: Não, gosto das planícies americanas, gosto muito do Novo México e do Rio Grande e das coisas nessa zona. Mas não gosto muito das cidades americanas. Gosto das cidades a sério, como Chicago e Detroit.
Mavis Nicholson: Não consigo ver bem a diferença entre Los Angeles e…
David Bowie: Bem, é uma espécie de calo, uma espécie de bolha nas costas da humanidade, ao passo que Detroit tem gente real que tenta sobreviver com todas as suas energias. Mas Los Angeles é uma falsificação… Na vida real em que lido publicamente com invenções, mas a minha vida real não é absolutamente nada uma invenção.
Mavis Nicholson: Disseste que querias estar em situações que te amedrontassem, certo?
David Bowie: Sim.
Mavis Nicholson: Mas, em termos gerais, até que ponto é que te é fácil misturares-te com as pessoas? Porque, sendo tu tão famoso, as pessoas reconhecem-te imediatamente e então…
David Bowie: Não, não reconhecem. De todo.
Mavis Nicholson: Mesmo?
David Bowie: Não, a sério que não tenho problemas com isso.
Mavis Nicholson: Hmm… Mas, então, poderá ser assim porque vais deliberadamente para sítios novos?
David Bowie: Sim.
Mavis Nicholson: Sim.
David Bowie: Foi por isso que me mudei para Berlim quando deixei a América. Queria sentir um novo tipo de fricção. Então, fui para Berlim e encontrei o tipo de fricção que pretendia.
Mavis Nicholson: Que foi o quê?
David Bowie: As pessoas a viverem com a impressão de que tudo poderia colapsar muito rapidamente. E lá são muito sérios e não se importam realmente com frivolidades. É uma vida muito regrada, rodeada por um muro com metralhadoras, o que acaba por nos afetar. Quanto mais lá vives, quanto mais tempo lá viveres, mais afetada ficas e o Muro, no fim de tudo, é como se estivesse mesmo à beira do apartamento ou da casa onde vives.
Mavis Nicholson: Quando viveste na Alemanha relacionaste-te com as pessoas? Quero dizer, escritores e artistas…
David Bowie: Sim, com algumas das bandas de new wave e com alguns escritores sérios. Mas passei a maior parte do tempo sozinho.
Mavis Nicholson: Foste para o Japão. Porquê?
David Bowie: Bom, quando inicialmente comecei a tentar introduzir a pantomina no rock’n’roll, a minha outra influência, além do expressionismo alemão, era o teatro Kabuki. E, partindo do Kabuki, interessei-me pelos aspetos culturais e religiosos do Japão.
Mavis Nicholson: O que achas…?
David Bowie: E o equilíbrio entre a herança do Japão e o mundo moderno em que agora vivem. O equilíbrio, que é, no mínimo, muito precário, também aí há uma fricção.
Mavis Nicholson: Quando vais para algum lugar… Eu mesma não sou grande viajante. Resisto a viajar porque acho que se não sei falar a língua não vou conseguir comunicar e tudo o que acarreta e isso amedronta-me. Hmm, quando vais, qual é a primeira coisa que procuras ficar a saber sobre o lugar para que te possas começar a sentir um pouco como se pertencesses a esse lugar?
David Bowie: Cafés e bares, acho, e onde posso comprar comida.
Mavis Nicholson: Sim, certo. Já que pintas, que pintor achas que influenciou a tua pintura?
David Bowie: Erich Heckel.
Mavis Nicholson: Descreveste-te como um escritor. Que escritores te influenciaram?
David Bowie: William Burroughs. (risos)
Mavis Nicholson: É o único…
David Bowie: Posso mudar de ideias amanhã, mas se queres saber já, são os primeiros de que me lembro.
Mavis Nicholson: Sim. E, quando eras criança, que coisas achas que te influenciaram?
David Bowie: (risos) O pato Donald.
Mavis Nicholson: Era a tua personagem preferida?
David Bowie: Abominava-o! Ele ensinou-me a odiar.
Mavis Nicholson: É muito curioso, sempre odiei o pato Donald. Endoidece-me de cada vez que o ouço.
David Bowie: Muito pouco gostável.
Mavis Nicholson: Também não gostavas do rato Mickey?
David Bowie: Sim.
Mavis Nicholson: Gostavas de alguma das personagens tradicionais de que é suposto gostares? Por exemplo, gostavas do Winnie the Pooh?
David Bowie: Não. Não.
Mavis Nicholson: Do Ruppert Bear?
David Bowie: Não. Não, não gostava, eu…
Mavis Nicholson: Tinhas um urso de peluche?
David Bowie: Não, não tinha. Não acho… Não me recordo de ter nada assim. Nunca gostei muito de coisas de crianças. Sempre gostei de quadros, desde muito cedo.
Mavis Nicholson: Muito, mas muito obrigada pela conversa.
David Bowie: O prazer é meu.
David Bowie: Sim, bastante.
Mavis Nicholson: Também sentes isso?
David Bowie: Sempre lidei tematicamente com o isolamento, acho que em tudo o que escrevi. Então, trata-se de algo que me desperta, no sentido em que me interessa por projetos novos se tiverem algo a ver com a alienação ou o isolamento.
Mavis Nicholson: Mas sentes-te isolado?
David Bowie: Não, mas consigo imaginar perfeitamente como deverá ser a sensação de estar isolado e, assim, coloquei-me muitas vezes em circunstâncias e posições de isolamento para poder escrever sobre isso.
Mavis Nicholson: Sabes, tenho pensado muito em ti e, de qualquer forma, tenho-te visto, certo?...
David Bowie: O meu fumo está a incomodar-te?
Mavis Nicholson: Não, absolutamente nada. De certo modo, faz de ti aquele ser misterioso de que falaste. (risos) Hmm, acho que o facto de mudares tão recorrentemente de aparência não é nada intrigante… na minha opinião, quero dizer. Porque penso que te usaste como uma tela.
David Bowie: Sim, sem dúvida.
Mavis Nicholson: É assim mesmo?
David Bowie: Sem dúvida. Nunca quis aparecer como eu mesmo no palco, nunca, em momento algum, até recentemente, acho. Portanto, como escrevia enquanto personagem, quis apresentar essas personagens no palco, o que fiz com bastante sucesso na altura.
Mavis Nicholson: Foi apenas um exercício de projetar uma coisa diferente. Como dizes, por exemplo, podias estar a apresentar uma imagem…
David Bowie: Bom, também estava, queria usar o rock’n’roll de algum modo. Cansei-me da mentira de o artista de rock ser, no palco, exatamente como é fora dele, o que, na maioria dos casos, não corresponde em nada à verdade. Portanto, pensei, bom, vou levar isso para o palco e separar completamente as personalidades, a pessoa que está por trás de tudo e que escreve e cria tudo e a que dá entrevistas e faz espetáculos e, assim, criei as personagens e coloquei-as no palco e, de seguida, levava-as mais além e punha-as a dar entrevistas e dava entrevistas enquanto personagem.
Mavis Nicholson: Estavas a esconder-te de nós?
David Bowie: Em parte, mas estava a gostar muito de o fazer. Quero dizer, gosto da ideia de levar as coisas a esse estádio surreal.
Mavis Nicholson: Isso é uma espécie de jogo, continuar com isso, porque frequentaste a Escola de Artes antes de teres feito qualquer outra coisa, não foi?
David Bowie: Sim.
Mavis Nicholson: Sim?
David Bowie: Como todos nós, toda a gente andou na Escola de Artes.
Mavis Nicholson: Certo. E agora pintas.
David Bowie: Sim.
Mavis Nicholson: Mas ainda não estás disposto a deixar-nos ver os teus quadros.
David Bowie: Não. Propuseram-me duas, três mostras que recus… Aceitei duas e depois faltei à minha palavra e disse que não os ia mostrar. Ainda não tinha coragem.
Mavis Nicholson: Porque não? De que é que tens medo?
David Bowie: Oh, sei que sou um bom autor. (risos) Não estou tão certo quanto às minhas pinturas. E também são, para mim, muito pessoais. Hmm, todas elas são retratos e são retratos de pessoas em isolamento, a maioria. Retratos de alemães ou turcos que vivem em Berlim. E podem ser de Berlim Leste a viver agora em Berlim Ocidental, sabendo que as suas famílias estão no outro lado do Muro. Então, procuro capturar muito desse tipo de isolamento e também me coloco a mim mesmo nas telas. São uma parte considerável de mim.
Mavis Nicholson: Hmm. Se te interessas pelo isolamento, é porque achas que uma pessoa num estado de isolamento tem emoções mais fortes do que se estiver rodeada de pessoas?
David Bowie: Acho que se alguém estiver isolado, em lugar de receber o mundo como sendo a sua casa, tende a criar um micromundo dentro de si. E é essa parte peculiar da mente humana que me fascina quando penso nesses pequenos universos que podem ser criados pela mente. Alguns deles, bastante esquizofrénicos e excêntricos.
Mavis Nicholson: Significa que tens que te distanciar bastante de, digamos, de te apaixonares e de te envolveres com alguém?
David Bowie: Oh, não. Acho que até pelo contrário. Para mim, hmm… Apaixono-me muito rapidamente. (risos) Em tempos apaixonava-me mesmo muito. Considero o amor muito importante para a minha escrita.
Mavis Nicholson: Mas o amor, apaixonar-se é diferente de passar a amar alguém.
David Bowie: Sim, é. Sim.
Mavis Nicholson: E a partir do momento em que amas muito alguém, significa que tens que partilhar a vida.
David Bowie: Não, não acho. Pode amar-se alguém à distância.
Mavis Nicholson: Mas se decidisses não amar alguém à distância, e é disso que estou a falar, tu, enquanto artista, terias que abdicar de muito do teu tempo por essa pessoa.
David Bowie: Sim. E não posso fazê-lo.
Mavis Nicholson: Era sobre isso que me interrogava…
David Bowie: Não… Não. Não, o amor não se pode interpor no meu caminho porque aí sinto, hmm, salvaguardo-me incrivelmente.
Mavis Nicholson: Mas de que é que te salvaguardas, quero dizer…
David Bowie: De também perder o outro olho. (risos)
Mavis Nicholson: Sim, certo. Porque o perdeste numa luta?
David Bowie: Sim. Numa luta. Na luta. (risos)
Mavis Nicholson: Numa luta. Lutaram por quê?
David Bowie: Por este outro olho! (risos) Não, foi…
Mavis Nicholson: Não foi nada!
David Bowie: Ele queria ficar com ele e eu também queria ficar com ele e fiquei. Bom, foi por causa de, acho, não me lembro muito bem, por causa de uma rapariga, não me lembro de como se chamava.
Mavis Nicholson: Foi o teu primeiro amor, David Bowie?
David Bowie: Não, eu nem sequer estava apaixonado por ela, não acho que estivesse. E ele achou que estava. E, de certa forma… mas eu não estava apaixonado por ela! E então, certo dia, ele apareceu e agrediu-me.
Mavis Nicholson: Mas houve eles e elas de quem gostaste no teu tempo, não foi?
David Bowie: Segundo li. (risos)
Mavis Nicholson: Eu também só ouvi falar! Mas já te perguntaram se eras ou não bissexual.
David Bowie: Vezes demais.
Mavis Nicholson: Sim. E nunca deste uma resposta cabal.
David Bowie: Dei. Disse que era bissexual e isso chega.
Mavis Nicholson: Mas isso significa que… és mesmo ou que guardas em algum lado…
David Bowie: Já respondi à pergunta.
Mavis Nicholson: Certo. Ok. Posso colocar-te outra pergunta sobre ti parcialmente em isolamento? Quando estás… Agora estás a viver no Japão, não estás?
David Bowie: Acabo de regressar do Japão. Não sei para onde irei a seguir.
Mavis Nicholson: Quando vives num sítio, é porque, uma vez mais, queres ficar isolado?
David Bowie: Sim. Agora não… Sim, agora. Neste momento. Não era assim há um par de anos, queria colocar-me em situações de perigo e fi-lo. Colocar-me em qualquer situação com a qual ache que não sei lidar.
Mavis Nicholson: Situações de perigo… Como por exemplo? Podes explicar?
David Bowie: Áreas em que tenha que socializar com as pessoas, algo em que não sou muito bom.
Mavis Nicholson: Não sei exatamente do que estás a falar.
David Bowie: Bom, fui para Los Angeles e vivi lá um par de anos e é uma cidade que, francamente, detesto. Então, fui para lá viver, no meio de gente de quem não gostava muito, para ver o que acontecia à minha escrita.
Mavis Nicholson: E então percebeste que detestavas o lugar?
David Bowie: Oh, o dobro do que quando para lá fui.
Mavis Nicholson: Bom, o que é que achaste que ias detestar em Los Angeles antes de te mudares para lá?
David Bowie: Tudo o que representava.
Mavis Nicholson: Como por exemplo? Não gostas da América?
David Bowie: Não, gosto das planícies americanas, gosto muito do Novo México e do Rio Grande e das coisas nessa zona. Mas não gosto muito das cidades americanas. Gosto das cidades a sério, como Chicago e Detroit.
Mavis Nicholson: Não consigo ver bem a diferença entre Los Angeles e…
David Bowie: Bem, é uma espécie de calo, uma espécie de bolha nas costas da humanidade, ao passo que Detroit tem gente real que tenta sobreviver com todas as suas energias. Mas Los Angeles é uma falsificação… Na vida real em que lido publicamente com invenções, mas a minha vida real não é absolutamente nada uma invenção.
Mavis Nicholson: Disseste que querias estar em situações que te amedrontassem, certo?
David Bowie: Sim.
Mavis Nicholson: Mas, em termos gerais, até que ponto é que te é fácil misturares-te com as pessoas? Porque, sendo tu tão famoso, as pessoas reconhecem-te imediatamente e então…
David Bowie: Não, não reconhecem. De todo.
Mavis Nicholson: Mesmo?
David Bowie: Não, a sério que não tenho problemas com isso.
Mavis Nicholson: Hmm… Mas, então, poderá ser assim porque vais deliberadamente para sítios novos?
David Bowie: Sim.
Mavis Nicholson: Sim.
David Bowie: Foi por isso que me mudei para Berlim quando deixei a América. Queria sentir um novo tipo de fricção. Então, fui para Berlim e encontrei o tipo de fricção que pretendia.
Mavis Nicholson: Que foi o quê?
David Bowie: As pessoas a viverem com a impressão de que tudo poderia colapsar muito rapidamente. E lá são muito sérios e não se importam realmente com frivolidades. É uma vida muito regrada, rodeada por um muro com metralhadoras, o que acaba por nos afetar. Quanto mais lá vives, quanto mais tempo lá viveres, mais afetada ficas e o Muro, no fim de tudo, é como se estivesse mesmo à beira do apartamento ou da casa onde vives.
Mavis Nicholson: Quando viveste na Alemanha relacionaste-te com as pessoas? Quero dizer, escritores e artistas…
David Bowie: Sim, com algumas das bandas de new wave e com alguns escritores sérios. Mas passei a maior parte do tempo sozinho.
Mavis Nicholson: Foste para o Japão. Porquê?
David Bowie: Bom, quando inicialmente comecei a tentar introduzir a pantomina no rock’n’roll, a minha outra influência, além do expressionismo alemão, era o teatro Kabuki. E, partindo do Kabuki, interessei-me pelos aspetos culturais e religiosos do Japão.
Mavis Nicholson: O que achas…?
David Bowie: E o equilíbrio entre a herança do Japão e o mundo moderno em que agora vivem. O equilíbrio, que é, no mínimo, muito precário, também aí há uma fricção.
Mavis Nicholson: Quando vais para algum lugar… Eu mesma não sou grande viajante. Resisto a viajar porque acho que se não sei falar a língua não vou conseguir comunicar e tudo o que acarreta e isso amedronta-me. Hmm, quando vais, qual é a primeira coisa que procuras ficar a saber sobre o lugar para que te possas começar a sentir um pouco como se pertencesses a esse lugar?
David Bowie: Cafés e bares, acho, e onde posso comprar comida.
Mavis Nicholson: Sim, certo. Já que pintas, que pintor achas que influenciou a tua pintura?
David Bowie: Erich Heckel.
Mavis Nicholson: Descreveste-te como um escritor. Que escritores te influenciaram?
David Bowie: William Burroughs. (risos)
Mavis Nicholson: É o único…
David Bowie: Posso mudar de ideias amanhã, mas se queres saber já, são os primeiros de que me lembro.
Mavis Nicholson: Sim. E, quando eras criança, que coisas achas que te influenciaram?
David Bowie: (risos) O pato Donald.
Mavis Nicholson: Era a tua personagem preferida?
David Bowie: Abominava-o! Ele ensinou-me a odiar.
Mavis Nicholson: É muito curioso, sempre odiei o pato Donald. Endoidece-me de cada vez que o ouço.
David Bowie: Muito pouco gostável.
Mavis Nicholson: Também não gostavas do rato Mickey?
David Bowie: Sim.
Mavis Nicholson: Gostavas de alguma das personagens tradicionais de que é suposto gostares? Por exemplo, gostavas do Winnie the Pooh?
David Bowie: Não. Não.
Mavis Nicholson: Do Ruppert Bear?
David Bowie: Não. Não, não gostava, eu…
Mavis Nicholson: Tinhas um urso de peluche?
David Bowie: Não, não tinha. Não acho… Não me recordo de ter nada assim. Nunca gostei muito de coisas de crianças. Sempre gostei de quadros, desde muito cedo.
Mavis Nicholson: Muito, mas muito obrigada pela conversa.
David Bowie: O prazer é meu.