1997: Entrevista gravada alguns dias após o 50º aniversário de David Bowie (Canada, Much Music)
“Ziggy era divertido e afetado e para além dos limites. As drogas começaram a tomar mais seriamente conta da minha vida, de tal modo que a capacidade consciente para que efetivamente me pudesse apresentar em duas partes distintas desapareceu e as linhas esborrataram-se e só restava aquele mutante sem forma que ficava para trás. Portanto, as coisas tornaram-se muito complicadas. Muito complicadas mesmo. E, cerca de meados da década de 70, eu estava de tal modo fora de mim que me era impossível funcionar de modo racional. Assim, naquele tempo eu nem sequer sabia que estava a representar personagens.” (risos)
(…)
“Bom… Tanto o Iggy (Pop) como eu sentimos que estava na altura de ficarmos limpos. E fomos mesmo muito inteligentes: passámos diretamente de Los Angeles para a capital europeia da heroína, Berlim. (risos) Não podíamos ter sido mais brilhantes! Mas, sabes, não tínhamos a menor noção disso. Posso garantir-te, não tínhamos a menor ideia. Parecia-nos um lugar de tal forma interessante em termos românticos e históricos (…) e, tratando-se da porta de entrada para a Europa, com todos os movimentos artísticos que de lá entravam e saíam e tratando-se do berço do Dadaísmo, parecia ser o ponto de partida para tudo. Conseguíamos sentir algo como algum tipo de conflito e tensão na atmosfera. Meu Deus, se não conseguirmos escrever aqui, não conseguimos escrever em lugar nenhum! E também aproveitámos para ficarmos limpos. (risos) E assim foi em larga medida, era tempo de limpeza, foram três anos de entrar e sair de Berlim, não posso afirmar que lá vivemos de modo consistente e permanente porque continuávamos a partir em tournée, continuávamos a voltar aos Estados Unidos, a Inglaterra, onde fosse… Penso que se tratou de sacudir aquela forma de vida de Hollywood, de Los Angeles, onde te servem dos pés à cabeça e se torna tão fácil escorregar, especialmente quando se está pedrado, é tão fácil deslizar para uma dependência relativamente a todos os que te rodeiam e o sítio onde escolhemos viver, em Berlim, também teve a ver com o facto de que estávamos ambos falidos… Tratava-se de uma zona vulgar da classe trabalhadora, havia muitos turcos, era uma vizinhança turca e, basicamente, tratava-se de fazermos nós mesmos as nossas compras. Eu sei que isto soa trágico, enfim, coitado do rapaz! Na América as coisas são-nos entregues, as coisas andam de um lado para o outro, comida e drogas, porque tudo está à distância de um telefonema. Mas havia um certo tipo de realidade no sítio onde estávamos e, inclusive, a realidade de tentarmos pensar sem drogas, talvez isso tenha sido ainda mais difícil. E é curioso que eu acho que as personalidades mais medíocres e mais vazias daquele período acabaram muito pior do que os que passaram todas as barreiras. Estou a pensar no Bill (William) Burroughs… (…) Todos à volta dele morreram. Estás a ver, o Kerouac ficou limpo e saudável e morreu! O Bill Burroughs deve ter picado o corpo com mais coisas do que… tinha mais agulhas no corpo do que uma almofada de alfinetes (dito de forma teatral) e está vivo e no meio de nós. Bom, não sugiro, nem por um só momento, que alguém se apresse a comprar o seu kit de junkie, nem pensar, só acho interessante que pessoas que fazem essas explorações, se ultrapassam o limite dessas explorações, tendem a emergir do outro lado melhores devido a isso. É perigoso dizer isto mas, no meu caso, é verdade: sinto-me satisfeito por ter feito tudo o que fiz, verdadeiramente. Não posso recomendar nada a ninguém mas trata-se das necessidades individuais de cada um e, naturalmente, diria ao meu filho para nem sequer pensar em nada de semelhante porque conheço os perigos inerentes a tudo. De algum modo, passei por toda uma série de episódios de sobrevivência e acalmei-me e, tendo escapado ileso, sinto-me bem por o ter feito mas não iria dizer ao meu filho “Sim, é uma ótima ideia seres lançado para a lua a mil quilómetros por hora, algo para relembrar”, não quero que ele entre numa nave porque ela pode explodir! Mas compreendo se ele me disser que a viagem é uma passagem para o espaço sideral.”
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“Bom… Tanto o Iggy (Pop) como eu sentimos que estava na altura de ficarmos limpos. E fomos mesmo muito inteligentes: passámos diretamente de Los Angeles para a capital europeia da heroína, Berlim. (risos) Não podíamos ter sido mais brilhantes! Mas, sabes, não tínhamos a menor noção disso. Posso garantir-te, não tínhamos a menor ideia. Parecia-nos um lugar de tal forma interessante em termos românticos e históricos (…) e, tratando-se da porta de entrada para a Europa, com todos os movimentos artísticos que de lá entravam e saíam e tratando-se do berço do Dadaísmo, parecia ser o ponto de partida para tudo. Conseguíamos sentir algo como algum tipo de conflito e tensão na atmosfera. Meu Deus, se não conseguirmos escrever aqui, não conseguimos escrever em lugar nenhum! E também aproveitámos para ficarmos limpos. (risos) E assim foi em larga medida, era tempo de limpeza, foram três anos de entrar e sair de Berlim, não posso afirmar que lá vivemos de modo consistente e permanente porque continuávamos a partir em tournée, continuávamos a voltar aos Estados Unidos, a Inglaterra, onde fosse… Penso que se tratou de sacudir aquela forma de vida de Hollywood, de Los Angeles, onde te servem dos pés à cabeça e se torna tão fácil escorregar, especialmente quando se está pedrado, é tão fácil deslizar para uma dependência relativamente a todos os que te rodeiam e o sítio onde escolhemos viver, em Berlim, também teve a ver com o facto de que estávamos ambos falidos… Tratava-se de uma zona vulgar da classe trabalhadora, havia muitos turcos, era uma vizinhança turca e, basicamente, tratava-se de fazermos nós mesmos as nossas compras. Eu sei que isto soa trágico, enfim, coitado do rapaz! Na América as coisas são-nos entregues, as coisas andam de um lado para o outro, comida e drogas, porque tudo está à distância de um telefonema. Mas havia um certo tipo de realidade no sítio onde estávamos e, inclusive, a realidade de tentarmos pensar sem drogas, talvez isso tenha sido ainda mais difícil. E é curioso que eu acho que as personalidades mais medíocres e mais vazias daquele período acabaram muito pior do que os que passaram todas as barreiras. Estou a pensar no Bill (William) Burroughs… (…) Todos à volta dele morreram. Estás a ver, o Kerouac ficou limpo e saudável e morreu! O Bill Burroughs deve ter picado o corpo com mais coisas do que… tinha mais agulhas no corpo do que uma almofada de alfinetes (dito de forma teatral) e está vivo e no meio de nós. Bom, não sugiro, nem por um só momento, que alguém se apresse a comprar o seu kit de junkie, nem pensar, só acho interessante que pessoas que fazem essas explorações, se ultrapassam o limite dessas explorações, tendem a emergir do outro lado melhores devido a isso. É perigoso dizer isto mas, no meu caso, é verdade: sinto-me satisfeito por ter feito tudo o que fiz, verdadeiramente. Não posso recomendar nada a ninguém mas trata-se das necessidades individuais de cada um e, naturalmente, diria ao meu filho para nem sequer pensar em nada de semelhante porque conheço os perigos inerentes a tudo. De algum modo, passei por toda uma série de episódios de sobrevivência e acalmei-me e, tendo escapado ileso, sinto-me bem por o ter feito mas não iria dizer ao meu filho “Sim, é uma ótima ideia seres lançado para a lua a mil quilómetros por hora, algo para relembrar”, não quero que ele entre numa nave porque ela pode explodir! Mas compreendo se ele me disser que a viagem é uma passagem para o espaço sideral.”