1993: Entrevista no Arsenio Hall Show, difundida em julho de 1993
David Bowie interpreta Jump They Say, do album Black Tie White Noise, lançado a 5 de abril de 1993. O tema, influenciado pelos sentimentos de Bowie relativamente ao seu meio-irmão Terry, que era esquizofrénico e que cometeu suicídio em 16 de janeiro de 1985, assim como pela ideia de saltar metafisicamente para o desconhecido, foi lançado, enquanto single, em março de 1993.
Arsenio Hall: Oh, obrigado por estares de volta, meu, é um prazer ter-te…
David Bowie: Muito obrigado, é um prazer estar de volta.
Arsenio Hall: É este o aspeto do CD. (mostra a capa e o público aplaude) Uau, Black Tie White Noise!
David Bowie: Queria encostar-me, mas tenho aqui um maço que não consigo encontrar… Não consigo parecer informal. Importas-te se parecer um bocado… assim? (endireita-se)
Arsenio Hall: Sabes, estás com tão bom aspeto como o Departamento de Saúde, podes fazer o que quiseres. E mais, sempre foste elegante. Passaste por muitas mudanças, mas sempre elegante. Guardas o teu guarda-roupa?
David Bowie: Todas as coisas que tenho… Muitas das coisas do Ziggy Stardust do início dos anos setenta… (o público aplaude) Zippy! Zippy Stardust! … foram desenhadas pelo designer japonês Kansai Yamamoto (uma das figuras de proa da moda contemporânea japonesa, particularmente nas décadas de setenta e oitenta) e eram, assim, origin… Quero dizer, nesses tempos, ele criava-as e concebia indumentárias loucas. Ainda tenho isso tudo.
Arsenio Hall: Sim. Quando estávamos aqui a conversar hoje à tarde, há qualquer coisa numa lenda, numa verdadeira estrela de rock… Quando estão presentes, sabemos que estão presentes. Quero dizer, ele anda como uma estrela de rock, há uma aura e…
David Bowie: Eu ando como um condutor de camiões (lorry em inglês do Reino Unido)! Sabes o que é um camião (lorry)?
Arsenio Hall: É um táxi, correto?
David Bowie: Camião (truck em inglês dos Estados Unidos), sim. Sabes disso?
Arsenio Hall: Bom, não sou muito viajado, mas…
David Bowie: É inglês (de Inglaterra) mas não sabia se alguém sabia disso. Sim, ando como um condutor de camiões.
Arsenio Hall: Queres saber o que é que também aprendi?
David Bowie: Sabes, gostava de caminhar como um condutor de camiões.
Arsenio Hall: Porque é uma coisa de homem, certo?
David Bowie: Não, porque o (Elvis) Presley era como um condutor de camiões.
Arsenio Hall: Oh! Tu és o Elvis Presley inglês!
David Bowie: Não quando só consigo ser um condutor de camiões (lorries). (Arsenio ri) Mas se fores um condutor de camiões (trucks), podes ser o Elvis Presley mesmo que sejas um condutor de camiões (lorries) (esta última parte dita no tom de voz de Presley) I is nothing like a Labrador (cantado como no início de Hound Dog, inicialmente lançado em 1952 por Big Mama Thornton e, mais tarde, por Elvis Presley, que alterou a letra inicial, em julho de 1956). Não é… (o público ri enquanto Bowie imita os gestos de Presley) Não é a mesma coisa.
Arsenio Hall: Sabes, ia perguntar-te se sempre o conheceste, porque a tua postura, quero dizer…
David Bowie: Vi o Little Richard num filme chamado Disc Jockey Jamboree (filme de 1957, Jamboree nos Estados Unidos e Disc Jockey Jamboree no Reino Unido, sendo que, curiosamente, não encontramos o nome de Little Richard na lista dos participantes) quando tinha uns oito anos. E, nessa época, queria tocar saxofone na banda dele. Quero dizer, era… a minha grande ambição era tocar sax naquela banda, mas só o conheci há dois anos.
Arsenio Hall: Se não te tivesses tornado no que te tornaste, que é que gostarias de ter feito?
David Bowie: Pintor.
Arsenio Hall: Pintor? E ainda fazes isso como passatempo?
David Bowie: Sim, ainda pinto bastante.
Arsenio Hall: Só uma questão rápida, já que estamos a falar de bandas e de tocar com outras pessoas… Gostarias de dizer umas palavras a sério sobre o Mick (Mick Ronson, guitarrista dos Spiders from Mars que faleceu de cancro no fígado em 29 de abril de 1993) por um instante?
David Bowie: Sim. A banda, os Spiders from Mars… foi essa a situação que me granjeou a fama que tinha no início dos anos setenta e o guitarrista da banda era o Mick Ronson. E, infelizmente… (o público aplaude e Bowie, naturalmente emocionado, cabeceia e diz “Sim”)…, sucumbiu tragicamente ao cancro há três, quatro dias. E, neste momento, gostaria de dizer que, de todos os guitarristas do início dos anos setenta, o Mick talvez tenha sido um dos mais influentes e profundos e que sinto muito a sua falta. (o público aplaude, enquanto Bowie fixa o chão)
Arsenio Hall: Oh, como está a tua mulher? Está por cá?
David Bowie: Sim, está na parte verde… (sorri) Onde é que está a câmara? (acena para a câmara) Olá, querida!
Arsenio Hall: Sim, está algures, lá atrás.
David Bowie: Está algures lá atrás, sim.
Arsenio Hall: Estás muito apaixonado. Dá para ver.
David Bowie: Sim, estou para além da lua. De forma delirante. Estou tão feliz que, na maioria das vezes, as pessoas me querem estrangular. (risos)
Arsenio Hall: Deixa-me interrogar-te acerca desta relação em particular. É uma relação multirracial. Acontece as pessoas chatearem-te, causar-te problemas por causa disso?
David Bowie: Sabes, não sei, é uma situação bastante estranha porque acho que pelo facto de ambos termos o assim chamado estatuto de celebridades, a partir do momento em que cruzamos uma porta deixamos de ser o David e a Iman, pelo que não sei como seria noutras circunstâncias. Eu sei, não me parece que se encontrem muitos casais multirraciais nos Estados Unidos… Na Europa veem-se muito mais. Aqui, ainda se trata de uma raridade, ainda há uma espécie de grande separatismo. Não sei como seria se não fossemos justamente conhecidos. Há o ocasional comentário sarcástico mas nada de brancos, estás a ver…
Arsenio Hall: Mas não te chateia?
David Bowie: Chatear-me-ia, sim, chatear-me-ia muito, ficaria furioso.
Arsenio Hall: Sim, tu simplesmente…
David Bowie: Dar-lhe-ia como um condutor de lorries. (Arsenio e o público riem) Não, como um condutor de trucks!
Arsenio Hall: Queria mencionar uma coisa e provavelmente vais-me matar por isso… Quero dizê-lo bem depressa: este homem fez uma coisa tão fixe… Há muito tempo, comprei uma casa de crack e convertemo-la num centro para miúdos, para poderem aprender a trabalhar com computadores e estudarem coisas diferentes, voltámos a fazê-lo e o David apareceu e cedeu-nos os lucros do single para a casa que converti e foi mesmo fixe saber disso, hmm, descobri que o David Bowie… (o público aplaude) Obrigado, meu! (apertam as mãos) Muito obrigado!
David Bowie: O single é Black Tie White Noise, um dueto com o Al B. Sure! e devo salientar que o Al B. também doou as suas royalties do single a esta unidade específica. (o público aplaude) Não é diferente… Em 1987, eu venho de uma área relativamente similar de Londres, Brixton, e procurei fazer lá coisas semelhantes em 1987. Portanto, acho que há uma espécie de geminação dos dois centros comunitários.
Arsenio Hall: Sim. Quero apenas agradecer-te. Peço desculpa por…
David Bowie: Não, sinto-me muito satisfeito por ser um dos que têm a tentar fazer algo pelos que não têm. É uma indicação da direção que eu gostaria de ver esta sociedade seguir. Porque agora, casado de fresco, é óbvio que penso em crianças e no tipo de sociedade em que a Iman e eu gostaríamos de ver os nossos filhos crescer. E acho que nesta última parte do milénio, à medida que nos aproximamos do ano 2000, parece existir um muro, como se nada mais fosse acontecer depois de 2000. A vida continua e a as vidas dos nossos filhos continuam e temos que fazer tudo o que pudermos para fazermos deste planeta o planeta dos nossos filhos, não o nosso. (o público aplaude)
Arsenio Hall: Viveste uma vida louca enquanto jovem. Alguma vez…
David Bowie: (em brincadeira, no tom de voz de um velho) Vivi uma juventude selvagem e descuidada. Peço desculpa… (ri e cruza os punhos como quem se oferece ao encarceramento) Ninguém?
Arsenio Hall: A verdade é que aqui te temos vivo e saudável.
David Bowie: Aposto que vamos falar de travestismo… (risos)
Arsenio Hall: Não, vamos falar das perdas. Quero dizer, assistimos à queda de tantos dos nossos heróis… Ou seja, olhas para trás e dizes “graças a Deus que consegui escapar”?
David Bowie: Sim, acho que é a Serenity Prayer (nome geral dado a uma oração criada pelo teólogo norte-americano Reinhold Niebuhr, mais tarde adotada pelos Alcoólicos Anónimos) que me mantém no bom rumo. Bastante, sim. Sim, tive muita sorte.
Arsenio Hall: Agora podemos falar em androginia e bissexualidade.
David Bowie: Travestismo.
Arsenio Hall: Poderíamos afirmar que, nos anos setenta, te envolveste em muitas coisas interessantes.
David Bowie: Nunca me interessaram tanto como a ti, Arsenio. (riso geral) Aqui diz… (apontando para as linhas na palma da mão) David Bowie, cantor de rock. Interesses: bungee jumping, renovação de casas, travestismo. (o público ri, enquanto Bowie mostra a palma da mão a Arsenio)
Arsenio Hall: Aí está. Aí mesmo!
David Bowie: Todos os ingleses gostam de vestidos.
Arsenio Hall: Oh! Ok. Vou ter que falar ao Dudley Moore nisso… (possível referência à fama de mulherengo do ator britânico; riso geral) Sim, ok. Sabes, eu vesti um porque me pagaram… (referência ao filme Coming to America/Um Príncipe em Nova Iorque, de 1988)
David Bowie: Eu sei! (risos)
Arsenio Hall: Avancemos! (o público ri enquanto as câmaras mostram uma imagem de Um Príncipe em Nova Iorque em que Arsenio surge vestido de mulher) Isto é tão estúpido! Sabes, David Jones é um nome muito engraçado. Porque é que não o mantiveste?
David Bowie: Mantenho! Mas foi uma parvoíce. Quero dizer, a banda The Monkees apareceu precisamente quando estava a iniciar a minha carreira… Não havia espaço suficiente para dois David Jones. Por isso, abandonei-o. (risos)
Arsenio Hall: Quem ouves? Quer dizer, quando estás a relaxar, que músicos ouves?
David Bowie: Oh, meu, não posso… Acho que tenho gostos muito alargados. Vão da música clássica, gosto muito de Stravisnky, compositores modernos como Phillip Glass, a velhas bandas como os Pixies. (o público aplaude) Quero dizer, é verdade… E (John) Coltrane e Eric Dolby e… nunca mais acaba. Ainda ouço o Little Richard, por vezes.
Arsenio Hall: Hmm, temos que fazer um breve intervalo para anúncios, mas deixa-me ver se deixo isto claro… Vais ficar connosco a noite inteira e vais fazer um dueto com o Al e vamos todos conversar. Ainda há muito para vir! David Bowie! (o público aplaude)
(passa um excerto de um vídeo ao vivo de Changes, gravado na era Ziggy Stardust)
Arsenio Hall: Interpretando o tema principal de Black Tie White Noise, aplausos para David Bowie e Al B.!
Interpretam uma versão ao vivo de Black Tie White Noise, publicado como single em junho de 1993, seguida de um excerto do vídeo do tema.
Arsenio Hall: É funky à brava! Como é que tu e o Al se conheceram?
David Bowie: Temos um amigo comum. Escrevi a canção para o álbum, foi um dos temas mais difíceis de compor porque não costumo escrever em forma narrativa. Quando a escrevi, o que queria realmente fazer era um dueto e o nosso amigo comum disse: “Ouve, convida o Al, vê se ele gosta do tipo de material que estás a compor para o álbum, dá-lhe a letra e vê se ele tem o mesmo tipo de… pelo menos, alguma empatia com o sentimento que estás a expressar”. E, felizmente, ele tinha, pelo que nos juntámos e cantámos. Trata-se de um relacionamento muito recente.
Al B.: Na verdade, andávamos pela Suíça e ele apareceu para jantar…
David Bowie: Ele estava a fazer skate diving.
Arsenio Hall: Não sabia que curtias isso.
Al B.: Podes crer.
David Bowie: (apontando de novo para as linhas da mão) Bungee jumping… (risos)
Al B.: (imitando o gesto) Mas podes riscar a parte do travestismo das minhas… (risos) Andava por lá com o meu irmão mais velho, David, a passear pela Suíça e o sr. Bowie apareceu para jantar, uma pessoa extremamente agradável e sentimos a ligação, foi como magia e, então, começámos a voar, voávamos até Paris e conversávamos… Este homem é um génio!
David Bowie: O Al é um dos… mesmo o… (o público aplaude) O Al é um dos tipos mais espirituais que desde há muito encontrei, uma joia!
Arsenio Hall: Já eras grande fã e conhecias a música dele e tudo isso?
Al B.: Honestamente, não conhecia grande c… Conhecia apenas a estrela de rock David Bowie e nada mais.
David Bowie: Desde 1990.
Al B.: Sim. E, depois de nos termos conhecido, peguei em alguns livros e procurei pôr-me em dia e: “Sim, conheço as tuas cenas! Sim, estás a ver!” (o público ri) Mas consigo ver porque é que ele é o David Bowie…. Porque é danado!
Arsenio Hall: Não sejas ignorante! Ambos têm tatuagens, acabei de ver a tua, sei que também tens uma (apontando para o braço de Al B. e, de seguida, para Bowie). A tua, o que é mesmo? A Iman, certo? Podes mostrá-la?
David Bowie: (revela uma tatuagem na perna esquerda, enquanto o público aplaude) Sim, é… A Iman tem uma pequena faca, um pequeno facão (Bowie knife) no tornozelo. Esta é, basicamente, para a Iman, uma fonte da Serenity Prayer.
Arsenio Hall: Ok. Isso é mesmo amor!
David Bowie: Está em japonês.
Arsenio Hall: A tatuagem como sinal de verdadeiro amor, é como dizer que vão ficar juntos para sempre. (aponta novamente para a tatuagem de Al B.) E tudo o que dizes aí é: “Quero fazer música”.
Al B.: Quero fazer música, música… (o público ri) Quero mesmo. É isso! Adoro isso!
Aresnio Hall: Mas quando te casares, vais ter que o fazer. (risos)
Al B.: Oh, meu! Isso é…
Arsenio Hall: Como vai a tua mãe?
Al B.: Está bem. Perguntou por ti, disse que ia rezar por ti.
Arsenio Hall: Não, não, essa é a nossa forma de vida. A nossa forma de vida.
Al B.: Só quero dizer que a minha mãe é ministra (minister, alguém que, em determinados ramos do Cristianismo, tem a autoridade para fazer catecismos e realizar tarefas como casamentos, batismos e funerais, para além de aconselhar a comunidade), está sempre a rezar por mim e diz: “Ouve, todos aqui te acompanham, vai com cuidado e faz o que fazes em nome de Deus”.
Arsenio Hall: Hmm… Essa é a nossa forma de vida. (o público aplaude) Sim. Falei com ele… (aponta para Bowie) … sobre ser David Jones. Como é que nasceste?
Al B.: Do sexo masculino. (risos)
David Bowie: (voltando a apontar para as linhas da mão) Bungee jumping…
Arsenio Hall: Quando olhamos para a tua certidão de nascimento, o que é que vemos? Para além de sexo masculino.
Al B.: Al masculino… Uau!
Arsenio Hall : De onde surgiu o nome Al B. Sure!?
Al B.: Al B. Sure! Na verdade… O Eddie F com o Heavy D e os rapazes deram-me o nome.
Arsenio Hall: Ele esteve aqui na semana passada.
Al B.: Ele era o melhor DJ em Mount Vernon e costumava passar um disco, Nightmares, do Dana Dane e era uma parceria, era… Eu disse: “Ouve o Dana Dane, acho que já apanhei o tom, mas tenho que voltar a ouvir antes de ter a certeza (before I’ll be sure). Mas o Al B. Sure! estava no I’ll be sure e ele fez o scratch do disco e disse (som de se fazer o scratching do vinil) Al B. e um dia deixou o disco avançar…. Estávamos a fazer demos do Eddie, acho que estávamos na escola secundária. E estávamos a fazer demos do Eddie e comprei um aparelho de quatro pistas e tudo o que compramos enquanto artistas, devo tê-lo comprado como tu, tens os teus sentimentos e exprime-los no CD, no disco… CD, e quando tens que te preocupar com o que dizes, sabes, comigo especialmente comigo, não procuro magoar ninguém, não faço isso nas minhas letras, normalmente são sobre o amor e coisas do género, uso-as para comunicar, ajudar a comunicar.
Arsenio Hall: Dave, achas que isso afeta as vendas, que afasta as pessoas?
David Bowie: Se votámos a favor de uma sociedade democrática, temos que aceitar o que isso acarreta, o que recebemos, muitas coisas de que não gostamos e muitas de que gostamos. Temos que ser livres de nos expressarmos e se não gostarmos do conceito temos que mudar a nossa forma… votámos a favor de uma sociedade democrática. Ninguém disse que seria fácil ou agradável. Ninguém disse que uma sociedade democrática seria agradável. É difícil. Porque também temos que ouvir muitas aldrabices (bullshit no original, com um beep sobreposto). (o público aplaude; de seguida, os três começam a mimar o uso de termos que vão sendo censurados pelos beeps do canal)
Arsenio Hall: Agora… (para Al B.) Antes de mais, não pensava que também desses a cara para ajudar os miúdos, gosto disso.
Al B.: Ei, estamos todos juntos nisto, meu.
Arsenio Hall: Sem dúvida. Um gang… Agora, vais voltar daqui a pouco para mais um número e… (o público aplaude)… vamos ter o cómico Brian Regan e também o Billy Diamond porque foi posto de lado nas últimas quatro noites e dissemos-lhe para voltar, pelo que temos dois convidados, uma vez que o Brian já estava contratado e tudo isso e tudo o mais e já estarei de volta. (o público aplaude)
Al B.: Sabes que mais? (diz algo a Arsenio)
Arsenio Hall: De volta para interpretar Pallas Athena, David Bowie! (bate palmas)
David Bowie, no saxofone, interpreta Pallas Athena, do álbum Black Tie White Noise.
Arsenio Hall: Oh, obrigado por estares de volta, meu, é um prazer ter-te…
David Bowie: Muito obrigado, é um prazer estar de volta.
Arsenio Hall: É este o aspeto do CD. (mostra a capa e o público aplaude) Uau, Black Tie White Noise!
David Bowie: Queria encostar-me, mas tenho aqui um maço que não consigo encontrar… Não consigo parecer informal. Importas-te se parecer um bocado… assim? (endireita-se)
Arsenio Hall: Sabes, estás com tão bom aspeto como o Departamento de Saúde, podes fazer o que quiseres. E mais, sempre foste elegante. Passaste por muitas mudanças, mas sempre elegante. Guardas o teu guarda-roupa?
David Bowie: Todas as coisas que tenho… Muitas das coisas do Ziggy Stardust do início dos anos setenta… (o público aplaude) Zippy! Zippy Stardust! … foram desenhadas pelo designer japonês Kansai Yamamoto (uma das figuras de proa da moda contemporânea japonesa, particularmente nas décadas de setenta e oitenta) e eram, assim, origin… Quero dizer, nesses tempos, ele criava-as e concebia indumentárias loucas. Ainda tenho isso tudo.
Arsenio Hall: Sim. Quando estávamos aqui a conversar hoje à tarde, há qualquer coisa numa lenda, numa verdadeira estrela de rock… Quando estão presentes, sabemos que estão presentes. Quero dizer, ele anda como uma estrela de rock, há uma aura e…
David Bowie: Eu ando como um condutor de camiões (lorry em inglês do Reino Unido)! Sabes o que é um camião (lorry)?
Arsenio Hall: É um táxi, correto?
David Bowie: Camião (truck em inglês dos Estados Unidos), sim. Sabes disso?
Arsenio Hall: Bom, não sou muito viajado, mas…
David Bowie: É inglês (de Inglaterra) mas não sabia se alguém sabia disso. Sim, ando como um condutor de camiões.
Arsenio Hall: Queres saber o que é que também aprendi?
David Bowie: Sabes, gostava de caminhar como um condutor de camiões.
Arsenio Hall: Porque é uma coisa de homem, certo?
David Bowie: Não, porque o (Elvis) Presley era como um condutor de camiões.
Arsenio Hall: Oh! Tu és o Elvis Presley inglês!
David Bowie: Não quando só consigo ser um condutor de camiões (lorries). (Arsenio ri) Mas se fores um condutor de camiões (trucks), podes ser o Elvis Presley mesmo que sejas um condutor de camiões (lorries) (esta última parte dita no tom de voz de Presley) I is nothing like a Labrador (cantado como no início de Hound Dog, inicialmente lançado em 1952 por Big Mama Thornton e, mais tarde, por Elvis Presley, que alterou a letra inicial, em julho de 1956). Não é… (o público ri enquanto Bowie imita os gestos de Presley) Não é a mesma coisa.
Arsenio Hall: Sabes, ia perguntar-te se sempre o conheceste, porque a tua postura, quero dizer…
David Bowie: Vi o Little Richard num filme chamado Disc Jockey Jamboree (filme de 1957, Jamboree nos Estados Unidos e Disc Jockey Jamboree no Reino Unido, sendo que, curiosamente, não encontramos o nome de Little Richard na lista dos participantes) quando tinha uns oito anos. E, nessa época, queria tocar saxofone na banda dele. Quero dizer, era… a minha grande ambição era tocar sax naquela banda, mas só o conheci há dois anos.
Arsenio Hall: Se não te tivesses tornado no que te tornaste, que é que gostarias de ter feito?
David Bowie: Pintor.
Arsenio Hall: Pintor? E ainda fazes isso como passatempo?
David Bowie: Sim, ainda pinto bastante.
Arsenio Hall: Só uma questão rápida, já que estamos a falar de bandas e de tocar com outras pessoas… Gostarias de dizer umas palavras a sério sobre o Mick (Mick Ronson, guitarrista dos Spiders from Mars que faleceu de cancro no fígado em 29 de abril de 1993) por um instante?
David Bowie: Sim. A banda, os Spiders from Mars… foi essa a situação que me granjeou a fama que tinha no início dos anos setenta e o guitarrista da banda era o Mick Ronson. E, infelizmente… (o público aplaude e Bowie, naturalmente emocionado, cabeceia e diz “Sim”)…, sucumbiu tragicamente ao cancro há três, quatro dias. E, neste momento, gostaria de dizer que, de todos os guitarristas do início dos anos setenta, o Mick talvez tenha sido um dos mais influentes e profundos e que sinto muito a sua falta. (o público aplaude, enquanto Bowie fixa o chão)
Arsenio Hall: Oh, como está a tua mulher? Está por cá?
David Bowie: Sim, está na parte verde… (sorri) Onde é que está a câmara? (acena para a câmara) Olá, querida!
Arsenio Hall: Sim, está algures, lá atrás.
David Bowie: Está algures lá atrás, sim.
Arsenio Hall: Estás muito apaixonado. Dá para ver.
David Bowie: Sim, estou para além da lua. De forma delirante. Estou tão feliz que, na maioria das vezes, as pessoas me querem estrangular. (risos)
Arsenio Hall: Deixa-me interrogar-te acerca desta relação em particular. É uma relação multirracial. Acontece as pessoas chatearem-te, causar-te problemas por causa disso?
David Bowie: Sabes, não sei, é uma situação bastante estranha porque acho que pelo facto de ambos termos o assim chamado estatuto de celebridades, a partir do momento em que cruzamos uma porta deixamos de ser o David e a Iman, pelo que não sei como seria noutras circunstâncias. Eu sei, não me parece que se encontrem muitos casais multirraciais nos Estados Unidos… Na Europa veem-se muito mais. Aqui, ainda se trata de uma raridade, ainda há uma espécie de grande separatismo. Não sei como seria se não fossemos justamente conhecidos. Há o ocasional comentário sarcástico mas nada de brancos, estás a ver…
Arsenio Hall: Mas não te chateia?
David Bowie: Chatear-me-ia, sim, chatear-me-ia muito, ficaria furioso.
Arsenio Hall: Sim, tu simplesmente…
David Bowie: Dar-lhe-ia como um condutor de lorries. (Arsenio e o público riem) Não, como um condutor de trucks!
Arsenio Hall: Queria mencionar uma coisa e provavelmente vais-me matar por isso… Quero dizê-lo bem depressa: este homem fez uma coisa tão fixe… Há muito tempo, comprei uma casa de crack e convertemo-la num centro para miúdos, para poderem aprender a trabalhar com computadores e estudarem coisas diferentes, voltámos a fazê-lo e o David apareceu e cedeu-nos os lucros do single para a casa que converti e foi mesmo fixe saber disso, hmm, descobri que o David Bowie… (o público aplaude) Obrigado, meu! (apertam as mãos) Muito obrigado!
David Bowie: O single é Black Tie White Noise, um dueto com o Al B. Sure! e devo salientar que o Al B. também doou as suas royalties do single a esta unidade específica. (o público aplaude) Não é diferente… Em 1987, eu venho de uma área relativamente similar de Londres, Brixton, e procurei fazer lá coisas semelhantes em 1987. Portanto, acho que há uma espécie de geminação dos dois centros comunitários.
Arsenio Hall: Sim. Quero apenas agradecer-te. Peço desculpa por…
David Bowie: Não, sinto-me muito satisfeito por ser um dos que têm a tentar fazer algo pelos que não têm. É uma indicação da direção que eu gostaria de ver esta sociedade seguir. Porque agora, casado de fresco, é óbvio que penso em crianças e no tipo de sociedade em que a Iman e eu gostaríamos de ver os nossos filhos crescer. E acho que nesta última parte do milénio, à medida que nos aproximamos do ano 2000, parece existir um muro, como se nada mais fosse acontecer depois de 2000. A vida continua e a as vidas dos nossos filhos continuam e temos que fazer tudo o que pudermos para fazermos deste planeta o planeta dos nossos filhos, não o nosso. (o público aplaude)
Arsenio Hall: Viveste uma vida louca enquanto jovem. Alguma vez…
David Bowie: (em brincadeira, no tom de voz de um velho) Vivi uma juventude selvagem e descuidada. Peço desculpa… (ri e cruza os punhos como quem se oferece ao encarceramento) Ninguém?
Arsenio Hall: A verdade é que aqui te temos vivo e saudável.
David Bowie: Aposto que vamos falar de travestismo… (risos)
Arsenio Hall: Não, vamos falar das perdas. Quero dizer, assistimos à queda de tantos dos nossos heróis… Ou seja, olhas para trás e dizes “graças a Deus que consegui escapar”?
David Bowie: Sim, acho que é a Serenity Prayer (nome geral dado a uma oração criada pelo teólogo norte-americano Reinhold Niebuhr, mais tarde adotada pelos Alcoólicos Anónimos) que me mantém no bom rumo. Bastante, sim. Sim, tive muita sorte.
Arsenio Hall: Agora podemos falar em androginia e bissexualidade.
David Bowie: Travestismo.
Arsenio Hall: Poderíamos afirmar que, nos anos setenta, te envolveste em muitas coisas interessantes.
David Bowie: Nunca me interessaram tanto como a ti, Arsenio. (riso geral) Aqui diz… (apontando para as linhas na palma da mão) David Bowie, cantor de rock. Interesses: bungee jumping, renovação de casas, travestismo. (o público ri, enquanto Bowie mostra a palma da mão a Arsenio)
Arsenio Hall: Aí está. Aí mesmo!
David Bowie: Todos os ingleses gostam de vestidos.
Arsenio Hall: Oh! Ok. Vou ter que falar ao Dudley Moore nisso… (possível referência à fama de mulherengo do ator britânico; riso geral) Sim, ok. Sabes, eu vesti um porque me pagaram… (referência ao filme Coming to America/Um Príncipe em Nova Iorque, de 1988)
David Bowie: Eu sei! (risos)
Arsenio Hall: Avancemos! (o público ri enquanto as câmaras mostram uma imagem de Um Príncipe em Nova Iorque em que Arsenio surge vestido de mulher) Isto é tão estúpido! Sabes, David Jones é um nome muito engraçado. Porque é que não o mantiveste?
David Bowie: Mantenho! Mas foi uma parvoíce. Quero dizer, a banda The Monkees apareceu precisamente quando estava a iniciar a minha carreira… Não havia espaço suficiente para dois David Jones. Por isso, abandonei-o. (risos)
Arsenio Hall: Quem ouves? Quer dizer, quando estás a relaxar, que músicos ouves?
David Bowie: Oh, meu, não posso… Acho que tenho gostos muito alargados. Vão da música clássica, gosto muito de Stravisnky, compositores modernos como Phillip Glass, a velhas bandas como os Pixies. (o público aplaude) Quero dizer, é verdade… E (John) Coltrane e Eric Dolby e… nunca mais acaba. Ainda ouço o Little Richard, por vezes.
Arsenio Hall: Hmm, temos que fazer um breve intervalo para anúncios, mas deixa-me ver se deixo isto claro… Vais ficar connosco a noite inteira e vais fazer um dueto com o Al e vamos todos conversar. Ainda há muito para vir! David Bowie! (o público aplaude)
(passa um excerto de um vídeo ao vivo de Changes, gravado na era Ziggy Stardust)
Arsenio Hall: Interpretando o tema principal de Black Tie White Noise, aplausos para David Bowie e Al B.!
Interpretam uma versão ao vivo de Black Tie White Noise, publicado como single em junho de 1993, seguida de um excerto do vídeo do tema.
Arsenio Hall: É funky à brava! Como é que tu e o Al se conheceram?
David Bowie: Temos um amigo comum. Escrevi a canção para o álbum, foi um dos temas mais difíceis de compor porque não costumo escrever em forma narrativa. Quando a escrevi, o que queria realmente fazer era um dueto e o nosso amigo comum disse: “Ouve, convida o Al, vê se ele gosta do tipo de material que estás a compor para o álbum, dá-lhe a letra e vê se ele tem o mesmo tipo de… pelo menos, alguma empatia com o sentimento que estás a expressar”. E, felizmente, ele tinha, pelo que nos juntámos e cantámos. Trata-se de um relacionamento muito recente.
Al B.: Na verdade, andávamos pela Suíça e ele apareceu para jantar…
David Bowie: Ele estava a fazer skate diving.
Arsenio Hall: Não sabia que curtias isso.
Al B.: Podes crer.
David Bowie: (apontando de novo para as linhas da mão) Bungee jumping… (risos)
Al B.: (imitando o gesto) Mas podes riscar a parte do travestismo das minhas… (risos) Andava por lá com o meu irmão mais velho, David, a passear pela Suíça e o sr. Bowie apareceu para jantar, uma pessoa extremamente agradável e sentimos a ligação, foi como magia e, então, começámos a voar, voávamos até Paris e conversávamos… Este homem é um génio!
David Bowie: O Al é um dos… mesmo o… (o público aplaude) O Al é um dos tipos mais espirituais que desde há muito encontrei, uma joia!
Arsenio Hall: Já eras grande fã e conhecias a música dele e tudo isso?
Al B.: Honestamente, não conhecia grande c… Conhecia apenas a estrela de rock David Bowie e nada mais.
David Bowie: Desde 1990.
Al B.: Sim. E, depois de nos termos conhecido, peguei em alguns livros e procurei pôr-me em dia e: “Sim, conheço as tuas cenas! Sim, estás a ver!” (o público ri) Mas consigo ver porque é que ele é o David Bowie…. Porque é danado!
Arsenio Hall: Não sejas ignorante! Ambos têm tatuagens, acabei de ver a tua, sei que também tens uma (apontando para o braço de Al B. e, de seguida, para Bowie). A tua, o que é mesmo? A Iman, certo? Podes mostrá-la?
David Bowie: (revela uma tatuagem na perna esquerda, enquanto o público aplaude) Sim, é… A Iman tem uma pequena faca, um pequeno facão (Bowie knife) no tornozelo. Esta é, basicamente, para a Iman, uma fonte da Serenity Prayer.
Arsenio Hall: Ok. Isso é mesmo amor!
David Bowie: Está em japonês.
Arsenio Hall: A tatuagem como sinal de verdadeiro amor, é como dizer que vão ficar juntos para sempre. (aponta novamente para a tatuagem de Al B.) E tudo o que dizes aí é: “Quero fazer música”.
Al B.: Quero fazer música, música… (o público ri) Quero mesmo. É isso! Adoro isso!
Aresnio Hall: Mas quando te casares, vais ter que o fazer. (risos)
Al B.: Oh, meu! Isso é…
Arsenio Hall: Como vai a tua mãe?
Al B.: Está bem. Perguntou por ti, disse que ia rezar por ti.
Arsenio Hall: Não, não, essa é a nossa forma de vida. A nossa forma de vida.
Al B.: Só quero dizer que a minha mãe é ministra (minister, alguém que, em determinados ramos do Cristianismo, tem a autoridade para fazer catecismos e realizar tarefas como casamentos, batismos e funerais, para além de aconselhar a comunidade), está sempre a rezar por mim e diz: “Ouve, todos aqui te acompanham, vai com cuidado e faz o que fazes em nome de Deus”.
Arsenio Hall: Hmm… Essa é a nossa forma de vida. (o público aplaude) Sim. Falei com ele… (aponta para Bowie) … sobre ser David Jones. Como é que nasceste?
Al B.: Do sexo masculino. (risos)
David Bowie: (voltando a apontar para as linhas da mão) Bungee jumping…
Arsenio Hall: Quando olhamos para a tua certidão de nascimento, o que é que vemos? Para além de sexo masculino.
Al B.: Al masculino… Uau!
Arsenio Hall : De onde surgiu o nome Al B. Sure!?
Al B.: Al B. Sure! Na verdade… O Eddie F com o Heavy D e os rapazes deram-me o nome.
Arsenio Hall: Ele esteve aqui na semana passada.
Al B.: Ele era o melhor DJ em Mount Vernon e costumava passar um disco, Nightmares, do Dana Dane e era uma parceria, era… Eu disse: “Ouve o Dana Dane, acho que já apanhei o tom, mas tenho que voltar a ouvir antes de ter a certeza (before I’ll be sure). Mas o Al B. Sure! estava no I’ll be sure e ele fez o scratch do disco e disse (som de se fazer o scratching do vinil) Al B. e um dia deixou o disco avançar…. Estávamos a fazer demos do Eddie, acho que estávamos na escola secundária. E estávamos a fazer demos do Eddie e comprei um aparelho de quatro pistas e tudo o que compramos enquanto artistas, devo tê-lo comprado como tu, tens os teus sentimentos e exprime-los no CD, no disco… CD, e quando tens que te preocupar com o que dizes, sabes, comigo especialmente comigo, não procuro magoar ninguém, não faço isso nas minhas letras, normalmente são sobre o amor e coisas do género, uso-as para comunicar, ajudar a comunicar.
Arsenio Hall: Dave, achas que isso afeta as vendas, que afasta as pessoas?
David Bowie: Se votámos a favor de uma sociedade democrática, temos que aceitar o que isso acarreta, o que recebemos, muitas coisas de que não gostamos e muitas de que gostamos. Temos que ser livres de nos expressarmos e se não gostarmos do conceito temos que mudar a nossa forma… votámos a favor de uma sociedade democrática. Ninguém disse que seria fácil ou agradável. Ninguém disse que uma sociedade democrática seria agradável. É difícil. Porque também temos que ouvir muitas aldrabices (bullshit no original, com um beep sobreposto). (o público aplaude; de seguida, os três começam a mimar o uso de termos que vão sendo censurados pelos beeps do canal)
Arsenio Hall: Agora… (para Al B.) Antes de mais, não pensava que também desses a cara para ajudar os miúdos, gosto disso.
Al B.: Ei, estamos todos juntos nisto, meu.
Arsenio Hall: Sem dúvida. Um gang… Agora, vais voltar daqui a pouco para mais um número e… (o público aplaude)… vamos ter o cómico Brian Regan e também o Billy Diamond porque foi posto de lado nas últimas quatro noites e dissemos-lhe para voltar, pelo que temos dois convidados, uma vez que o Brian já estava contratado e tudo isso e tudo o mais e já estarei de volta. (o público aplaude)
Al B.: Sabes que mais? (diz algo a Arsenio)
Arsenio Hall: De volta para interpretar Pallas Athena, David Bowie! (bate palmas)
David Bowie, no saxofone, interpreta Pallas Athena, do álbum Black Tie White Noise.