1979: Entrevista com Valerie Singleton para o programa Tonight da BBC 1 UK, em 12 de fevereiro
Valerie Singleton: Porque é que passaste por tantas mudanças? Qual foi a necessidade? Foi apenas um artifício ou algo que tu…
David Bowie: Quando comecei a escrever canções não havia ninguém que as gravasse. Portanto, tive que ser eu a fazê-lo. E eu não… sendo Capricórnio, não me queria expor ao público, pelo que desenvolvi uma série de personagens que achei que se adequavam ao material que estava a compor.
Valerie Singleton: Então, durante todo esse tempo, o verdadeiro David Bowie estava por trás delas?
David Bowie: Por vezes. Sim, perdi o controlo um par de vezes.
Valerie Singleton: Quer dizer que os papéis que desempenhaste no palco como que se apropriaram da tua vida privada?
David Bowie: Sim.
Valerie Singleton: E o período em que usaste aquelas roupas femininas ultrajantes e maquilhagem?
David Bowie: Femininas? (sorriso)
Valerie Singleton: Bom, eram-no! Muita gente… Quero dizer, quando eu pensava em David Bowie fazia logo essa associação. Nesse período…
David Bowie: Sim.
Valerie Singleton: Esse período em particular. Quero dizer, isso passou para a vida real? Usavas esse tipo de roupas em casa?
David Bowie: Só usava essas coisas quando tinha uns 17 ou 18 anos. Quando atingi a idade de votar, aos 20, 21 anos, tinha passado para os sapatos de salto alto e esse tipo de coisas. (risos) Tudo isso surgiu sobretudo através do teatro japonês. Tentei associar o Kabuki e a pantomina. As técnicas da mímica também ajudaram a desenvolver a personagem Ziggy Stardust para que fosse o ponto máximo de todas as estrelas do rock’n’roll.
Valerie Singleton: Acho que muitas pessoas, ao verem-te desempenhar esses papéis, se sentiam muito chocadas e que achavam aquilo ultrajante…
David Bowie: Sim.
Valerie Singleton: E também pensavam nas estrelas do rock, ou do pop em termos gerais, como sendo um pouco estúpidas. E acho que, obviamente, mais ainda que isso. Preocupava-te que as pessoas…
David Bowie: Não, sou muito estúpido. (risos)
Valerie Singleton: És?
David Bowie: Sim, tornei-me uma estrela do rock! (risos) Poderia ter sido pintor…
Valerie Singleton: O que é preciso? Precisas de desabafar?
David Bowie: Não, não, não. Queria ser um artista. Queria validar-me em algum campo da arte. E não achei que fosse muito bom pintor, pelo que optei pela música.
Valerie Singleton: Obtiveste uma publicidade enorme ao longo dos anos… O teu casamento com a Angie (Angela Bowie, a primeira mulher de David Bowie) e admitiste ser bissexual. Foi, de algum modo, publicidade que procuraste para te ajudar na carreira ou pensaste nisso como uma enorme intrusão na tua…
David Bowie: Qual?
Valerie Singleton: Bom, a publicidade em torno do teu relacionamento…
David Bowie: Não. Isso cresceu, acho, pelo facto de ter afirmado, há muitos anos, que era bissexual. Mas isso aconteceu no decurso de uma conversa.
Valerie Singleton: Mas ressentes-te desse tipo de publicidade? Achas que se trata de uma intrusão na tua vida privada?
David Bowie: Não, não é uma intrusão na minha vida privada. Recuso-me a lê-la. (sorriso) Vou à televisão e desligo-a. Não é interessante.
Valerie Singleton: Repara, neste momento pareces-te exatamente com a personagem que desempenhaste no filme que acabaste de rodar. Pergunto-me se a personagem que desempenhares daqui a um ou dois anos vai influenciar…
David Bowie: Bom, já tinha esta camisa alguns meses antes do filme. (risos)
Valerie Singleton: Então, isto não é, és mesmo tu, não é como se ainda estivesses a desempenhar o papel de Paul no filme…
David Bowie: Dá que pensar… Estava a trabalhar com o Nicholas Roeg em O Homem que Veio do Espaço (The Man Who Fell To Earth) há um par de anos e ele alertou-me para o facto de que uma vez o filme acabado é frequente o papel continuar por muitos meses após o filme. Que deveria estar preparado para isso. Acho que isso me aconteceu quando estava a desempenhar os papéis que desempenhei na América. Mas não havia nenhum realizador que me dissesse que iriam perdurar, pelo que cresceram e se transformaram numa confusão, numa espécie de personagem conglomerada.
Valerie Singleton: Porque é que quiseste fazer este filme em particular, o História de um Gigolo (Just a Gigolo)?
David Bowie: Para começar, acenaram-me com a Marlene Dietrich. Por outro lado, dei-me extremamente bem com o David Hemmings. Assim, entre essas duas coisas, acho que fui arrastado para o filme.
Valerie Singleton: Como foi trabalhar com a Marlene Dietrich?
David Bowie: Quem dera saber, tenho que perguntar a alguém que tenha mesmo trabalhado com ela… (risos)
Valerie Singleton: Porquê?
David Bowie: Bom, o que aconteceu… Durante todo o filme, tentaram convencer a Marlene a ir à Alemanha, mas ela recusava-se porque desde, hmm, acho que uma altura nos anos cinquenta, ela se tem mostrado relutante a regressar por ter sido muito colada ao que aconteceu na Alemanha durante a guerra, pelo que ficou em Paris e disse: “Vou fazer as minhas filmagens em Paris”. Disse-o durante todo o filme. E eu concordo inteiramente com ela. Falámos ao telefone e concordámos que eu poderia fazer a minha parte em Berlim e que ela faria a dela em Paris e que, no final, se juntariam as duas.
Valerie Singleton: Nunca chegaste a estar com ela…
David Bowie: Não.
Valerie Singleton: É espantoso.
David Bowie: Acho muito bem no contexto do filme porque, na verdade, ela é a observadora. E saber disso torna-a ainda mais a observadora. A personagem mística, maravilhosa, reminiscente de (Jean) Cocteau que desempenha.
Valerie Singleton: Falta-te alguma coisa, David Bowie?
David Bowie: Ela é ou não adorável?
Valerie Singleton: É maravilhosa.
David Bowie: Quem dera tê-la conhecido há muito tempo… (risos)
Valerie Singleton: Vou retomar a fala que ela te dirige no filme… Sentes que te falta alguma coisa ou já tens tudo o que desejas?
David Bowie: Sim, estou a tentar ir a Penge (subúrbio do sudeste de Londres, em Bromley), tenho lá alguns amigos e prometi que os visitaria esta semana, mas ainda não tive tempo para o fazer.
Valerie Singleton: Vais desistir da música para te concentrares na representação?
David Bowie: Gostaria de expandir as minhas atividades, como se costuma dizer… Não, gosto muito de escrever.
Valerie Singleton: Escrever apenas música ou todo o tipo de escrita?
David Bowie: Hmm, é curioso, estou aplicadamente a tentar escrever um livro de short stories com base em coisas que fiz. Mas, regra geral, escrever música. E… quanto a subir ao palco, acho que decidi deixar de o fazer a cada dois anos porque acho que é enfadonho. Depois dos primeiros dez espetáculos, todas as noites se tornam repetitivas.
Valerie Singleton: Então, vai haver mais representações e mais filmes?
David Bowie: Sim, com certeza. E também estou a pensar em realizar.
Valerie Singleton: Estás?
David Bowie: Sim. Bastante.
Valerie Singleton: Essa é a tua última esperança?
David Bowie: Não, também voltei a querer ser um bom pintor. Esse é que é o meu maior sonho.
Valerie Singleton: E tens pintado?
David Bowie: Sim, sempre que posso.
Valerie Singleton: E escrito e representado e continuado a cantar?
David Bowie: Sim.
Valerie Singleton: Tens algum filme em vista?
David Bowie: Tenho uma seleção de que muito me orgulho e vou tratar de escolher que papel hei de aceitar. Isso é que é estimulante.
Valerie Singleton: Ficamos à espera de os ver. David Bowie, muito obrigada pela entrevista.
David Bowie: Muito obrigado.
David Bowie: Quando comecei a escrever canções não havia ninguém que as gravasse. Portanto, tive que ser eu a fazê-lo. E eu não… sendo Capricórnio, não me queria expor ao público, pelo que desenvolvi uma série de personagens que achei que se adequavam ao material que estava a compor.
Valerie Singleton: Então, durante todo esse tempo, o verdadeiro David Bowie estava por trás delas?
David Bowie: Por vezes. Sim, perdi o controlo um par de vezes.
Valerie Singleton: Quer dizer que os papéis que desempenhaste no palco como que se apropriaram da tua vida privada?
David Bowie: Sim.
Valerie Singleton: E o período em que usaste aquelas roupas femininas ultrajantes e maquilhagem?
David Bowie: Femininas? (sorriso)
Valerie Singleton: Bom, eram-no! Muita gente… Quero dizer, quando eu pensava em David Bowie fazia logo essa associação. Nesse período…
David Bowie: Sim.
Valerie Singleton: Esse período em particular. Quero dizer, isso passou para a vida real? Usavas esse tipo de roupas em casa?
David Bowie: Só usava essas coisas quando tinha uns 17 ou 18 anos. Quando atingi a idade de votar, aos 20, 21 anos, tinha passado para os sapatos de salto alto e esse tipo de coisas. (risos) Tudo isso surgiu sobretudo através do teatro japonês. Tentei associar o Kabuki e a pantomina. As técnicas da mímica também ajudaram a desenvolver a personagem Ziggy Stardust para que fosse o ponto máximo de todas as estrelas do rock’n’roll.
Valerie Singleton: Acho que muitas pessoas, ao verem-te desempenhar esses papéis, se sentiam muito chocadas e que achavam aquilo ultrajante…
David Bowie: Sim.
Valerie Singleton: E também pensavam nas estrelas do rock, ou do pop em termos gerais, como sendo um pouco estúpidas. E acho que, obviamente, mais ainda que isso. Preocupava-te que as pessoas…
David Bowie: Não, sou muito estúpido. (risos)
Valerie Singleton: És?
David Bowie: Sim, tornei-me uma estrela do rock! (risos) Poderia ter sido pintor…
Valerie Singleton: O que é preciso? Precisas de desabafar?
David Bowie: Não, não, não. Queria ser um artista. Queria validar-me em algum campo da arte. E não achei que fosse muito bom pintor, pelo que optei pela música.
Valerie Singleton: Obtiveste uma publicidade enorme ao longo dos anos… O teu casamento com a Angie (Angela Bowie, a primeira mulher de David Bowie) e admitiste ser bissexual. Foi, de algum modo, publicidade que procuraste para te ajudar na carreira ou pensaste nisso como uma enorme intrusão na tua…
David Bowie: Qual?
Valerie Singleton: Bom, a publicidade em torno do teu relacionamento…
David Bowie: Não. Isso cresceu, acho, pelo facto de ter afirmado, há muitos anos, que era bissexual. Mas isso aconteceu no decurso de uma conversa.
Valerie Singleton: Mas ressentes-te desse tipo de publicidade? Achas que se trata de uma intrusão na tua vida privada?
David Bowie: Não, não é uma intrusão na minha vida privada. Recuso-me a lê-la. (sorriso) Vou à televisão e desligo-a. Não é interessante.
Valerie Singleton: Repara, neste momento pareces-te exatamente com a personagem que desempenhaste no filme que acabaste de rodar. Pergunto-me se a personagem que desempenhares daqui a um ou dois anos vai influenciar…
David Bowie: Bom, já tinha esta camisa alguns meses antes do filme. (risos)
Valerie Singleton: Então, isto não é, és mesmo tu, não é como se ainda estivesses a desempenhar o papel de Paul no filme…
David Bowie: Dá que pensar… Estava a trabalhar com o Nicholas Roeg em O Homem que Veio do Espaço (The Man Who Fell To Earth) há um par de anos e ele alertou-me para o facto de que uma vez o filme acabado é frequente o papel continuar por muitos meses após o filme. Que deveria estar preparado para isso. Acho que isso me aconteceu quando estava a desempenhar os papéis que desempenhei na América. Mas não havia nenhum realizador que me dissesse que iriam perdurar, pelo que cresceram e se transformaram numa confusão, numa espécie de personagem conglomerada.
Valerie Singleton: Porque é que quiseste fazer este filme em particular, o História de um Gigolo (Just a Gigolo)?
David Bowie: Para começar, acenaram-me com a Marlene Dietrich. Por outro lado, dei-me extremamente bem com o David Hemmings. Assim, entre essas duas coisas, acho que fui arrastado para o filme.
Valerie Singleton: Como foi trabalhar com a Marlene Dietrich?
David Bowie: Quem dera saber, tenho que perguntar a alguém que tenha mesmo trabalhado com ela… (risos)
Valerie Singleton: Porquê?
David Bowie: Bom, o que aconteceu… Durante todo o filme, tentaram convencer a Marlene a ir à Alemanha, mas ela recusava-se porque desde, hmm, acho que uma altura nos anos cinquenta, ela se tem mostrado relutante a regressar por ter sido muito colada ao que aconteceu na Alemanha durante a guerra, pelo que ficou em Paris e disse: “Vou fazer as minhas filmagens em Paris”. Disse-o durante todo o filme. E eu concordo inteiramente com ela. Falámos ao telefone e concordámos que eu poderia fazer a minha parte em Berlim e que ela faria a dela em Paris e que, no final, se juntariam as duas.
Valerie Singleton: Nunca chegaste a estar com ela…
David Bowie: Não.
Valerie Singleton: É espantoso.
David Bowie: Acho muito bem no contexto do filme porque, na verdade, ela é a observadora. E saber disso torna-a ainda mais a observadora. A personagem mística, maravilhosa, reminiscente de (Jean) Cocteau que desempenha.
Valerie Singleton: Falta-te alguma coisa, David Bowie?
David Bowie: Ela é ou não adorável?
Valerie Singleton: É maravilhosa.
David Bowie: Quem dera tê-la conhecido há muito tempo… (risos)
Valerie Singleton: Vou retomar a fala que ela te dirige no filme… Sentes que te falta alguma coisa ou já tens tudo o que desejas?
David Bowie: Sim, estou a tentar ir a Penge (subúrbio do sudeste de Londres, em Bromley), tenho lá alguns amigos e prometi que os visitaria esta semana, mas ainda não tive tempo para o fazer.
Valerie Singleton: Vais desistir da música para te concentrares na representação?
David Bowie: Gostaria de expandir as minhas atividades, como se costuma dizer… Não, gosto muito de escrever.
Valerie Singleton: Escrever apenas música ou todo o tipo de escrita?
David Bowie: Hmm, é curioso, estou aplicadamente a tentar escrever um livro de short stories com base em coisas que fiz. Mas, regra geral, escrever música. E… quanto a subir ao palco, acho que decidi deixar de o fazer a cada dois anos porque acho que é enfadonho. Depois dos primeiros dez espetáculos, todas as noites se tornam repetitivas.
Valerie Singleton: Então, vai haver mais representações e mais filmes?
David Bowie: Sim, com certeza. E também estou a pensar em realizar.
Valerie Singleton: Estás?
David Bowie: Sim. Bastante.
Valerie Singleton: Essa é a tua última esperança?
David Bowie: Não, também voltei a querer ser um bom pintor. Esse é que é o meu maior sonho.
Valerie Singleton: E tens pintado?
David Bowie: Sim, sempre que posso.
Valerie Singleton: E escrito e representado e continuado a cantar?
David Bowie: Sim.
Valerie Singleton: Tens algum filme em vista?
David Bowie: Tenho uma seleção de que muito me orgulho e vou tratar de escolher que papel hei de aceitar. Isso é que é estimulante.
Valerie Singleton: Ficamos à espera de os ver. David Bowie, muito obrigada pela entrevista.
David Bowie: Muito obrigado.